quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Antonio, o homem que venceu o câncer


Amigos, ele partiu.
Nós, um dia, também partiremos.
Mas me dá muito orgulho dizer:
Antes de partir, Antonio venceu.

Na última vez que o encontrei, na cama de hospital, não enxerguei a doença que derrota o paciente.
Vi, sim, um Antonio soberano.

Menosprezava a dor.
Não dava importância ao corpo debilitado.
Brincava com a enfermeira, com o catéter,
fazia piadas com o soro e com sua dose diária de plaquetas.
E ria, ria muito.
Ria não. Mais ou menos.
Sarcástico, Antonio é dos poucos que conseguem fazer rir mantendo a expressão séria.


Antonio Leveza.
No seu Ipad, fotos dos bebês dos amigos, de desenhos e mensagens de filhos de pessoas queridas, que lhe desejavam força.

Antonio Coragem.
Uma convicção inabalável, uma determinação obstinada pela cura.


Um estado de espírito contagiante e improvável, que me arrebatou feito avalanche.

O que quer o câncer, amigos, senão cultivar a dúvida, o medo, o desespero?
O que quer o câncer, senão nocautear o paciente com a simples notícia de sua presença?
O que querem as células malignas, senão fazer com que o corpo se volte contra o próprio corpo, que a mente antagonize a própria mente, o espírito ataque o próprio espírito?

Pra cima do Tuninho, não.
Tuninho nunca permitiu.

Suas palhaçadas eram mais fortes. Com um jeito irônico, enfrentava o câncer com autoridade.
Cheio de amor, fazia esperança exalar como perfume naquele quarto.

Antonio Fortaleza.
Cabeça em pé feito um Beckenbauer da vida, fez seu tumor acreditar que era apenas uma gripe.


Antonio, amado amigo, sinto um orgulho enorme.
Não foi apenas um câncer que você derrotou.

Essa palavra medonha, símbolo dos cantos escuros que a vida nos reserva.

Já te vi vencer cânceres de vários tipos:

O câncer da indiferença.
Sempre o mais solidário, sempre corria para acudir quem precisava.
Doava sangue aos doentes, o ombro amigo aos carentes, a alma a quem pedisse.

O câncer da apatia.
A inquietação no trabalho, a criatividade no Globo Esporte fez toda essa garotada queimar a mufa para fazer um programa cada dia melhor.
Eu, inclusive, aprendi muito contigo.

O câncer do stress.
Nos dias mais duros e tensos na Globo, você fazia graça dos momentos de pressão.
Sempre tentei decifrar, sem sucesso, seu segredo para manter a cuca fresca.

O câncer da tristeza.
Quando sua mãe partiu, sua força transbordou para manter sua família unida e de pé.

O câncer do mau humor.
Ah, esse nunca teve vez contigo. Dono das tiradas mais rápidas do oeste, não hesitava em disparar suas gracinhas.
Depois era só ajeitar a aba do chapéu e soprar o cano fumegante.

E, finalmente, o câncer da solidão.
Seu jeito debochado e fanfarrão destruía os cadeados do coração.
Era impossível não se tornar amigo de Antonio Souzadias.

Souzadias mesmo. Escrito tudo junto.
Um toque de personalidade desse cara que não se preocupava muito com o que os outros pensavam.
Pendurava chapas de raio-x do próprio joelho nas paredes de casa.
Deixava o rosto do Cid Moreira em pause no telão da sala em dias de festa.
Estava a fim era de se divertir, rir à toa, das coisas banais.
Mesmo de algo tão trivial quanto juntar as letrinhas do sobrenome.

Tonhão.
Nas peladas, um beque de respeito.
Nos últimos dias, celebrava os momentos em que tinha "defesa".
Aquilo representava algumas horas de corpo são para curtir a vida, ir ao Teatro e comer no japonês.

Tonhão,
você É a defesa!
Um zagueiro intransponível, que nunca deixou o tumor te driblar.

Desenganados estávamos nós.
Você brincava e fazia piadas.
Confiava e seguia em frente.

Meu querido amigo,
de coração apertado e lágrimas caindo, te digo:
aprendi contigo mais uma vez!

No teu lugar, eu já estaria combalido desde o início,
minha personalidade e minha confiança esmagadas,
assoladas pelo tumor como terra arrasada.

Você nunca entregou os pontos, nunca parou de acreditar.
E assim, viveu na plenitude.
Espalhou força e esperança entre teus queridos.

Meu amigo, um exemplo.
Me ensinou como é que se luta.
Me fez olhar para minha mulher e minha filha,
no silêncio da madrugada,
e me fez ter coragem.

Me fez prometer nunca esmorecer.
Não importa a dor, a doença, o percalço.

Antonio Pureza,
já tendo partido, nos deixou um sorriso.
Um sorriso que nos conforta e diz:
"Fiquem tranquilos, amigos.
Eu venci."

segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEGA


Eu era o quinto da fila.

E, você sabe, quem está na fila, está esperando.

E eu esperava. Minha vez chegaria logo.

Mas deu tempo de pensar no que tinha acontecido 15 minutos antes.

Deu tempo de filosofar sobre a seguinte contradição:

Duvido do que é real. E acredito no que é sobrenatural.

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Meu pai sempre disse.

"Filho, se o dinheiro vem fácil demais, desconfie! Você deve trabalhar e conquistá-lo com muito suor!"

Sem perceber, levei isso como um lema durante a vida.
Sem me dar conta, acabei nunca participando de jogos de azar, bingos, rifas.

Até carteado, raramente joguei. Pra falar a verdade, nunca teve baralho na casa do meu pai.

Na minha pureza infantil, enxergava naqueles valetes e damas apenas um passatempo lúdico.
Me intrigava como losangos, corações e florzinhas ganhavam nomes pomposos como paus, espadas, copas e ouros. Achava aquilo o máximo.
Achava aquela dança das cartas esteticamente instigante, com um quê de misterioso.

Mas nem carteado meu pai permitia em casa. Afinal, muita gente apostava dinheiro em jogatinas. E apostar, lá em casa, era carta fora do baralho.

Além da aversão ao jogo, outro traço da minha personalidade sempre foi o de confiar na intuição.

Às vezes, na vida, é preciso deixar a lógica descansando ali no canto e dar ouvidos apenas ao "feeling".

Foi assim que resolvi seguir adiante na transferência de curso de Desenho Industrial para Jornalismo, mesmo quando a PUC indicava que havia ZERO VAGA e ZERO CHANCE. Consegui a transferência.

Foi assim que segui o conselho de um colega de faculdade, que me estimulou a fazer a prova para o estágio da TV Globo quando eu ainda nem pensava seriamente em estágio. Trabalho lá até hoje.

Não, não gosto de apostar. E sim, confio nos meus pressentimentos.

Mas nunca pensei que essas duas facetas estariam prestes a colidir. Nunca pensei... até quinze minutos antes de estar naquela fila.

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Lá vinha aquele velhinho, caminhando pela calçada.
O mesmo velhinho que havia aparecido, como um anjo, evitando uma briga na lanchonete uns meses atrás.

No balcão da lanchonete, estavam eu, a Luciana e a cachorra Lara, quando um mal-humorado agressivo começou a xingar, dizendo que não entraria na lanchonete enquanto a cachorra estivesse por ali. Achei a reação exagerada e comprei a briga. Foi quando o velhinho anjinho chegou pacificando, dizendo que a cachorrinha era dócil e meiga, fazendo carinhos e elogios.

Que timing daquele senhorzinho! Certamente, não veio do nada!! Tenho que respeitar seu caráter paranormal, pensei!

E, como eu dizia, meses depois, lá vinha aquele velhinho, caminhando pela calçada.

Me deu boa tarde e, do nada, disse assim: "Já jogou na Mega Sena, meu filho? Tá valendo 33 milhões. Joga dois reais!"

Deu o recado e foi embora.
Eu que não sou bobo, entendi o aviso. Senti aquele feeling. Caceta, vou jogar na Mega Sena! Será que vou ficar rico?

Caramba, mas eu nunca jogo!!! Não confio em dinheiro que vem fácil!!!

Mas esse pedido do além eu não podia recusar. Como conviver com um remorso desses? Como recusar essa dica aleatória e sem propósito? Como não mergulhar nesse mistério e nunca saber o que o destino me reservaria se eu tivesse jogado 2 reais naquela Mega sena??

Na queda de braço entre minha repugnância pelo jogo e minha atração pelo paranormal, lá estava eu na fila.

Na fila da Mega Sena.

Pra fazer a minha fézinha.
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Epílogo:

O sorteio correu no sábado, às 22h.

Como nunca tinha feito antes, e como nunca mais farei, acompanhei a retirada das bolinhas online, realtime...

... Das seis dezenas, acertei um número.

O número 60.

O último!

Não fiquei rico... mas será que isso quer dizer alguma coisa?

Se eu descobrir, eu conto pra vocês.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Estampidos na sala de aula


Alguns ciclos são inexplicáveis e surpreendentes.

Há dois anos, 24 meses atrás, no mês de abril de 2009, escrevi sobre um massacre de velhinhos indefesos por um atirador maluco nos Estados Unidos.

Naquela ocasião, possuído pela força incontrolável que move as pessoas em busca de sentido após uma tragédia tão sem propósito, apontei o dedo para algumas características da sociedade americana como responsáveis pela chacina.

O mundo gira. E girou certinho dessa vez.

360 graus depois, caímos no mesmo mês de abril, desta vez de 2011.

E tenho que reavaliar o texto que escrevi em 2009.

Acabamos de importar um tipo de crime que era comum apenas nos países de primeiro mundo.

Nós já tínhamos o tráfico de drogas, o tráfico de armas, roubos e assassinatos relacionados à pobreza e à má distribuição de renda. Mas podíamos nos vangloriar de não possuir psicopatas atirando a esmo em escolas, asilos e lanchonetes.

Infelizmente, isso acabou.

Wellington Menezes invadiu uma escola em Realengo, no Rio, e disparou contra cabeças de adolescentes.

A equação matemática acaba de ultrapassar fronteiras.

Fácil acesso a armas + tristeza e solidão + um passado de abusos + psicopatia (pode ser) = massacre de inocentes.

Compreendo que a imprensa esteja cobrindo o caso com profundidade e uma curiosidade quase mórbida. O crime gerou uma comoção social muito grande e deixou todo mundo perplexo.

Desvendar e destrinchar essa carnificina faz mal à saúde e ao espírito, nos deixa pesados e tristes... Mas traz uma ilusão, certamente falsa mas consoladora, de que vamos encontrar alguma lógica por trás de tanto sangue e pólvora.

O que me preocupa é pensar que podem haver outros doentes solitários vendo TV e lendo jornais. Pessoas de corpo presente no nosso cotidiano, que esbarram nos nossos ombros nas calçadas lotadas, mas muito amarguradas e distantes das nossas regras sociais.

Loucos que ficam cada vez mais loucos com a realidade cruel desta sociedade injusta, que pesa muito forte sobre as costas daqueles que não conseguem ver beleza na vida.

Que esses psicopatas sentados nos sofás não se inspirem pela ampla divulgação do massacre de Realengo.

Que não enxerguem naquela cobertura avassaladora dos fatos uma oportunidade de existir, de se sentir relevantes numa sociedade que os exclui.

Que não queiram repetir o feito repugnante e animalesco de Wellington Menezes.

Colégios e escolas: que os professores fiquem atentos aos casos de bullying entre quatro paredes, no meio de carteiras e quadros-negros.

A omissão das autoridades escolares, se não cria psicopatas, pode acarretar muito sofrimento e traumas para alunos indefesos.

Que os fracos sejam protegidos hoje.
Para nunca pensarem que, amanhã, serão mais fortes por portarem armas.
Para que não repitam anos depois, de forma mais cruel e sangrenta, a rotina de massacrar pessoas inocentes.

Que o abuso e a coação de um estudante, de forma lenta e covarde pelas mãos de outro mais forte, nunca mais se transforme no extermínio de dezenas de inocentes.

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para ver o que escrevi em 2009:

sexta-feira, 25 de março de 2011

Grifos e Lara

Da planta do pé até um pouco acima do tornozelo.

Isto é quanto mede, em média, uma calopsita adulta, pássaro originário da Austrália, da ordem dos Psitaciformes.

Duas calopsitas, uma em cima da outra.

Isso é quanto mede a boca aberta de uma pitbull.

Grifos e Lara.
Calopsita e pitbull.

Grifos pensa que é gigante. Tem marra e topete. E a nítida impressão de que é dono da casa e que todos à volta são serviçais. Quando falta água ou comida, não importa a que hora da manhã, enche os pulmões e emite um piado insuportável.

Lara nunca percebeu a força que tem. E nunca se deu conta do esteriótipo violento que rege sua natureza.

Grifos e Lara.
Convivem em paz, soltos pela casa.

Grifos não desconfia que correria perigo se Lara tivesse ciência do poder de sua mandíbula.

Mesmo provocada, apertada, instigada, amassada com carinhos humanos inconvenientes, Lara nunca cogitou atacar ninguém. Nunca teve o ímpeto de experimentar o peso de sua mordida que, dizem, equivale a 200 quilos e não solta jamais.

Grifos desfila pela casa, pia alto quando quer, não obedece os humanos e ignora carinhos. Transita por onde bem entende e não dá satisfações.

Lara é submissa. Se faz besteira, ouve bronca, e põe o rabo entre as pernas.

Ah, mas há momentos de tensão. Instantes em que a platéia pode jurar que uma tragédia está prestes a acontecer.

Às vezes, Grifos cisma, encasqueta.
Teima em cantar uma musiquinha estridente. Não, nada parecido com a meiga melodia de um pássaro. Imagine algo como a sirene ininterrupta de uma ambulância. Sim, aquela criaturinha de 15 cm consegue atingir incômodos 140 decibéis.

Lara sofre. Quase agoniza. Ouvido de cachorro é assim. Ouve frequências agudas que os humanos não captam. Imagina, então, o piar perseverante e irritante que os humanos captam. Tortura para tímpanos caninos.

Grifos pia. Lara o encara. Grifos continua. Lara padece. Grifos não pára. Lara não aguenta mais.
Lara poderia atacar. Mas sabe o que Lara faz?

Uiva. Implora.
Uiva um uivado alto, pedindo clemência, solicitando, em nome de Deus, que Grifos cesse aquela agruga.

E sabe o que Grifos faz?
Simplesmente pára.
Não por ter medo da enorme pitbull.
Pára porque se deu por satisfeito.
No seu íntimo minúsculo reside a satisfação de saber que tem muito poder.

Antes de ir dormir e desligar o computador, por acaso, olhei para a almofadinha que eles dividem à noite.

Os dois, nariz com nariz, bico com focinho.
Lara abre a bocarra.
Grifos não se intimida e, ameaçador, abre também.

Eu nem me meto.
É briga de cachorro grande.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Foto-verso

11 de setembro

dia e mês que não precisam de ano

Quais datas você conhece têm vida própria?

Não necessitam referência,

de folhinha de calendário?

11

dois algarismos,

lado a lado,

ruíram no impacto dos aviões

Muitos setembros depois

ainda constróem ali.

E o dia onze se basta.

Não precisa de explicação.

Não tem explicação.

domingo, 13 de março de 2011

Bom filme!


"Desligue o telefone celular. Em caso de emergência, siga as orientações da nossa brigada de incêndio. Desejamos a você um bom filme".

Quem nunca ouviu essa ladainha no cinema antes dos trailers?
Na verdade, isso nunca me incomodou.
O texto é sempre o mesmo, é fato.
Mas o mundo é cheio de clichês e existem situações em que ninguém tenta ser original.

Todo cinema pede para você desligar o celular. Isso é até bom.

Todo cinema fala das "brigadas de incêndio" que estão aí para ajudar. (Gostaria muito de presenciar este ser fictício em ação. O nome é superpomposo, mas será que as brigadas existem mesmo?)

O que me incomoda é o tal "Bom filme".

- Um bom filme pra você!

Pessoal, ou o filme é bom ou não é bom. E ponto.

Votos de "bom filme" não vão mudar nada!

Desejar "um bom filme" para os infelizes espectadores que acabaram de pagar ingresso para ver Anaconda não vai transformá-lo num concorrente ao Oscar.

Desejar um "bom filme" é hipócrita. E me irrita.

Votos assim devem ser feitos apenas para experiências, nunca para substantivos concretos.

Geralmente, as palavras "bom" e "boa" acompanham substantivos abstratos que serão fruídos pelos ouvintes.

Exemplos:

"Boa viagem!".
Ok, aceito seu voto. Espero gozar com conforto do trajeto Rio-São Paulo. E espero que o avião não caia.

"Bom trabalho!".
Claro, muito obrigado! Espero que meu dia de ralação seja menos estressante que outros que já passaram.

"Bom apetite!".
Obrigado, monsieur. Não vejo a hora de viver a experiência de degustar os deliciosos pratos de vossa excelência, o Chef!

... mas "Bom filme!".
"Bom filme" não!

Sugiro que o cinema passe a dizer o seguinte:

"Desliguem seus celurares, obedeçam à brigada de incêndio em caso de tragédia. Ah, e by the way, o filme que vocês vão ver agora é uma merda. Mas agora é tarde demais. Aproveitem!"

Prefiro que digam isso. É mais honesto.

"Bom filme" não dá.

Pronto, falei.

e Boa noite.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Despertei

Ei....
Ei...
Acorda!
Acordei.

Estou de volta.
Voltei.
Voltei às letras.
Ou elas que voltaram a mim?

Por um ano,
que mistério, exato um ano,
hibernei.

Invernei.
Mas agora, verão.
Verão que despertei.

Primavera, irmã amanda, mãe marina, pai betão.
Ao blog retornei.

Outono.
Idéias caíram secas como folhas vermelhas.
Adornaram o chão.
Agora, idéias frutificam,
idéias florificam,
nos galhos da cabeça.

Que venham beijas
beijar as flores
trazer idéias pra cá,
levar idéias pra lá

Estou de volta,
não quero parar,
me dá prazer
prazer me dá,
quem vem visitar.

Sejam bem-vindos.