segunda-feira, 11 de abril de 2011

MEGA


Eu era o quinto da fila.

E, você sabe, quem está na fila, está esperando.

E eu esperava. Minha vez chegaria logo.

Mas deu tempo de pensar no que tinha acontecido 15 minutos antes.

Deu tempo de filosofar sobre a seguinte contradição:

Duvido do que é real. E acredito no que é sobrenatural.

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Meu pai sempre disse.

"Filho, se o dinheiro vem fácil demais, desconfie! Você deve trabalhar e conquistá-lo com muito suor!"

Sem perceber, levei isso como um lema durante a vida.
Sem me dar conta, acabei nunca participando de jogos de azar, bingos, rifas.

Até carteado, raramente joguei. Pra falar a verdade, nunca teve baralho na casa do meu pai.

Na minha pureza infantil, enxergava naqueles valetes e damas apenas um passatempo lúdico.
Me intrigava como losangos, corações e florzinhas ganhavam nomes pomposos como paus, espadas, copas e ouros. Achava aquilo o máximo.
Achava aquela dança das cartas esteticamente instigante, com um quê de misterioso.

Mas nem carteado meu pai permitia em casa. Afinal, muita gente apostava dinheiro em jogatinas. E apostar, lá em casa, era carta fora do baralho.

Além da aversão ao jogo, outro traço da minha personalidade sempre foi o de confiar na intuição.

Às vezes, na vida, é preciso deixar a lógica descansando ali no canto e dar ouvidos apenas ao "feeling".

Foi assim que resolvi seguir adiante na transferência de curso de Desenho Industrial para Jornalismo, mesmo quando a PUC indicava que havia ZERO VAGA e ZERO CHANCE. Consegui a transferência.

Foi assim que segui o conselho de um colega de faculdade, que me estimulou a fazer a prova para o estágio da TV Globo quando eu ainda nem pensava seriamente em estágio. Trabalho lá até hoje.

Não, não gosto de apostar. E sim, confio nos meus pressentimentos.

Mas nunca pensei que essas duas facetas estariam prestes a colidir. Nunca pensei... até quinze minutos antes de estar naquela fila.

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Lá vinha aquele velhinho, caminhando pela calçada.
O mesmo velhinho que havia aparecido, como um anjo, evitando uma briga na lanchonete uns meses atrás.

No balcão da lanchonete, estavam eu, a Luciana e a cachorra Lara, quando um mal-humorado agressivo começou a xingar, dizendo que não entraria na lanchonete enquanto a cachorra estivesse por ali. Achei a reação exagerada e comprei a briga. Foi quando o velhinho anjinho chegou pacificando, dizendo que a cachorrinha era dócil e meiga, fazendo carinhos e elogios.

Que timing daquele senhorzinho! Certamente, não veio do nada!! Tenho que respeitar seu caráter paranormal, pensei!

E, como eu dizia, meses depois, lá vinha aquele velhinho, caminhando pela calçada.

Me deu boa tarde e, do nada, disse assim: "Já jogou na Mega Sena, meu filho? Tá valendo 33 milhões. Joga dois reais!"

Deu o recado e foi embora.
Eu que não sou bobo, entendi o aviso. Senti aquele feeling. Caceta, vou jogar na Mega Sena! Será que vou ficar rico?

Caramba, mas eu nunca jogo!!! Não confio em dinheiro que vem fácil!!!

Mas esse pedido do além eu não podia recusar. Como conviver com um remorso desses? Como recusar essa dica aleatória e sem propósito? Como não mergulhar nesse mistério e nunca saber o que o destino me reservaria se eu tivesse jogado 2 reais naquela Mega sena??

Na queda de braço entre minha repugnância pelo jogo e minha atração pelo paranormal, lá estava eu na fila.

Na fila da Mega Sena.

Pra fazer a minha fézinha.
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Epílogo:

O sorteio correu no sábado, às 22h.

Como nunca tinha feito antes, e como nunca mais farei, acompanhei a retirada das bolinhas online, realtime...

... Das seis dezenas, acertei um número.

O número 60.

O último!

Não fiquei rico... mas será que isso quer dizer alguma coisa?

Se eu descobrir, eu conto pra vocês.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Estampidos na sala de aula


Alguns ciclos são inexplicáveis e surpreendentes.

Há dois anos, 24 meses atrás, no mês de abril de 2009, escrevi sobre um massacre de velhinhos indefesos por um atirador maluco nos Estados Unidos.

Naquela ocasião, possuído pela força incontrolável que move as pessoas em busca de sentido após uma tragédia tão sem propósito, apontei o dedo para algumas características da sociedade americana como responsáveis pela chacina.

O mundo gira. E girou certinho dessa vez.

360 graus depois, caímos no mesmo mês de abril, desta vez de 2011.

E tenho que reavaliar o texto que escrevi em 2009.

Acabamos de importar um tipo de crime que era comum apenas nos países de primeiro mundo.

Nós já tínhamos o tráfico de drogas, o tráfico de armas, roubos e assassinatos relacionados à pobreza e à má distribuição de renda. Mas podíamos nos vangloriar de não possuir psicopatas atirando a esmo em escolas, asilos e lanchonetes.

Infelizmente, isso acabou.

Wellington Menezes invadiu uma escola em Realengo, no Rio, e disparou contra cabeças de adolescentes.

A equação matemática acaba de ultrapassar fronteiras.

Fácil acesso a armas + tristeza e solidão + um passado de abusos + psicopatia (pode ser) = massacre de inocentes.

Compreendo que a imprensa esteja cobrindo o caso com profundidade e uma curiosidade quase mórbida. O crime gerou uma comoção social muito grande e deixou todo mundo perplexo.

Desvendar e destrinchar essa carnificina faz mal à saúde e ao espírito, nos deixa pesados e tristes... Mas traz uma ilusão, certamente falsa mas consoladora, de que vamos encontrar alguma lógica por trás de tanto sangue e pólvora.

O que me preocupa é pensar que podem haver outros doentes solitários vendo TV e lendo jornais. Pessoas de corpo presente no nosso cotidiano, que esbarram nos nossos ombros nas calçadas lotadas, mas muito amarguradas e distantes das nossas regras sociais.

Loucos que ficam cada vez mais loucos com a realidade cruel desta sociedade injusta, que pesa muito forte sobre as costas daqueles que não conseguem ver beleza na vida.

Que esses psicopatas sentados nos sofás não se inspirem pela ampla divulgação do massacre de Realengo.

Que não enxerguem naquela cobertura avassaladora dos fatos uma oportunidade de existir, de se sentir relevantes numa sociedade que os exclui.

Que não queiram repetir o feito repugnante e animalesco de Wellington Menezes.

Colégios e escolas: que os professores fiquem atentos aos casos de bullying entre quatro paredes, no meio de carteiras e quadros-negros.

A omissão das autoridades escolares, se não cria psicopatas, pode acarretar muito sofrimento e traumas para alunos indefesos.

Que os fracos sejam protegidos hoje.
Para nunca pensarem que, amanhã, serão mais fortes por portarem armas.
Para que não repitam anos depois, de forma mais cruel e sangrenta, a rotina de massacrar pessoas inocentes.

Que o abuso e a coação de um estudante, de forma lenta e covarde pelas mãos de outro mais forte, nunca mais se transforme no extermínio de dezenas de inocentes.

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para ver o que escrevi em 2009: