
Eu morava no alto de uma ladeira de paralelepípedos.
Estava começando a chover.
Eu estava com pressa.
Todos esses fatores combinados resultaram numa das histórias mais incríveis da minha vida.
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Peguei o carro e saí da garagem.
A roupa amarrotada de quem se vestiu rápido demais. O paletó no banco do carona.
Fiz a primeira curva e avistei um carro subindo na direção contrária.
Estava longe, mas não o bastante.
Tentei frear, mas a chuva fina fez o carro deslizar.
Não pude evitar a pancada.
O motorista saiu do carro dele, com toda razão, muito p... da vida.
- O que você fez??
- Desculpa, a culpa é toda minha.
- Não acredito. Não acredito!
- Desculpa mesmo! Eu tentei frear mas não consegui.
- Você assustou meu filho. Olha só. Ele é pequeno. Tá chorando!
- Amigo, me desculpa mesmo. Não tenho o que dizer.
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Estava visivelmente irritado, falando duro comigo. Mas não me destratou em nenhum momento. A mulher dele saiu do carro com o filho no colo.
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Estava visivelmente irritado, falando duro comigo. Mas não me destratou em nenhum momento. A mulher dele saiu do carro com o filho no colo.
- Amor, vai indo lá vai. Vai a pé mesmo, sobe a rua só um pouquinho. Vou ficar aqui resolvendo isso.
- Amigo, me desculpa mesmo. Eu tava indo para uma formatura, o piso está escorregadio. Eu não percebi. Foi mal mesmo.
- É. Vamos ter que chamar a polícia para fazer um boletim de ocorrência.
- É. Vamos ter que chamar a polícia para fazer um boletim de ocorrência.
- Sem problema. Pode ligar. Eu assumo toda a responsabilidade.
Alguns minutos passaram. O cara ligou pra polícia, relatou o acidente, pediu que eles subissem a rua. Ficou alguns instantes em silêncio, olhando para o amassado no próprio carro.
- Você tem seguro?
- Tenho sim. Vou assumir todos os custos. Deixa comigo.
- Você tem carteira de motorista, menino?
- Tenho, claro.
- Tenho, claro.
- Tem mesmo?
- Tenho.
- Deixa eu ver.
Ele olhou o documento por alguns segundos. Percebi que ficou um pouco nervoso.
- Esse seu sobrenome aqui. Você conhece alguém com esse sobrenome?
- É claro, é meu sobrenome. Minha família toda tem esse nome.
- Você conhece algum Beto?
- Beto? Claro. É meu pai.
- Glup.
- Beto? Claro. É meu pai.
- Glup.
De toda a frota de milhões de carros do Rio de Janeiro, de todas as ruas possíveis, de todas as horas possíveis, Deus quis que eu batesse o carro justamente no subordinado do meu pai.
- O seu pai... ele... ele é meu chefe!
- Não acredito! Que coincidência!
- Acabamos de chegar de viagem juntos. Viajamos a trabalho... Ele chegou há poucos dias de Los Angeles não é?
- É, isso mesmo!
- Não é possível. Ah, se eu soubesse, a gente nem tinha chamado a polícia. Tinha resolvido tudo aqui mesmo.
- Não, não se preocupa. Vamos seguir os procedimentos da seguradora como faríamos desde o início. Fica tranquilo.
- Olha, desculpa qualquer coisa. Eu fiquei muito nervoso! O meu filho estava no carro.
- Claro, claro. Eu que peço desculpa. A culpa foi toda minha. Pede desculpa pra sua mulher por mim, por favor.
Ele se afastou um pouco e pegou o telefone celular.
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- Alô, amor? Sabe o menino que bateu na gente? Pois é... filho do Beto.
Só Deus sabe que palavrão a esposa dele usou do outro lado.
3 comentários:
Excelente história, Drei! E ainda pode servir como estudo de caso sociológico da sociedade (mal pelo pleonasmo) brasileira. É o tradicional "sabe com quem está falando?". O negócio já está tão introjetado na sociedade brasileira que o cara se sentiu intimidado por conta própria, mesmo que você deixasse claro que a culpa era sua e que era preciso chamar a polícia, sim. No final das contas, achei esse cara meio babaca, pronto pra ser corajoso na frente de um moleque de uns 18 anos e arregar pro filho do chefe. Passou recibo de covarde, na minha opinião.
Antes de terminar quero dizer que esse cara tinha que ter sido mais como você: cortês e humilde. Acidentes acontecem e o importante é que estavam todos bem. Vida em sociedade tem que ser esse cruzar civilizado de caminhos que você pratica, e não um falso botar banca que se esvai rapidamente diante do filho do chefe.
Essa eu ri! Ri muito!!!
Ahahahah!! è a famosa carteirada, não é??Sem querer. Coitado do moço, fiquei com pena. Ele já pensou ,"ih tô fud....,perdi meu emprego" ahahahah...bj
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