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Sai o novo lançamento no cinema.
Estamos doidos para vê-lo. Compramos ingressos, passam trailers que dão mais água na boca. Durante as duas horas de filme, nossos olhos estão capturados pelo telão.
Nossa visão periférica de nada serve. Luzes apagadas e paredes escuras, nada nos desvia a atenção daquele enredo se revelando na tela.
É como se deixássemos nossas vidas do lado de fora e aceitássemos viver a história daquele filme durante duas horas.
Durante o período de 120 minutos, nada tem mais significado. Porém, uma hora depois, uma semana depois, um mês depois, o que terá restado daquela experiência?
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Quando abrimos um livro (só vale se for um bom livro) as páginas ganham vida própria.
Observamos, atentos, folhas de papel brancas com letras pretas. Mas neste descolorido monótono, está as maiores aventuras.
Um mergulho nas palavras produz inúmeras sensações momentâneas: prazer, tensão, curiosidade, cansaço, reflexão, identificação.
O livro tem o poder de nos prender pelo período em que permanece aberto. Se surgem tarefas urgentes a serem feitas, não há problemas. A leitura pode esperar.
Quando voltamos àquelas páginas, é como se as folhas fossem um grande palco, no qual permanecemos congelados por alguns instants.
Basta recomeçar a leitura que os personagens voltam a se mexer, a história volta a se desencadear, as sensações voltam como se nunca tivessem sido interrompidas.
Mas e um mês depois? Um ano? 10 anos depois? O que ficou daquela obra?
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O que significa ter visto um filme? O que significa ter lido um livro?
Quão frustrante é perceber que nosso corpo não é um supercomputador, capaz de armazenar os dados em sequência, capaz de "load" todas as sensações e aprendizados no momento que desejarmos.
As melhores histórias, escritas num texto ou projetadas na tela, se diluem na mente, se misturando a outros assuntos do cotidiano e a fatos diários.
Por que nossa maldita memória é tão falha?
Que delícia seria se fosse capaz de guardar, intacto, tudo aquilo que saboreamos durante o contato com uma obra de arte.
Se já era impossível nos séculos passados, imagine hoje, no século XXI!
Há muita informação disparando em velocidade pelo fluxo sanguíneo, zanzando pelo cérebro. Há muita reciclagem de novos dados, variando dos mais aos menos importantes. Há muito entra-e-sai.
Há muita informação disparando em velocidade pelo fluxo sanguíneo, zanzando pelo cérebro. Há muita reciclagem de novos dados, variando dos mais aos menos importantes. Há muito entra-e-sai.
O mundo está frenético demais para nossas antiquadas peças encefálicas, mais adequadas a um museu do que à vida rotineira.
Mas o ser humano... o ser humano sempre tem um trunfo.
Projeto tosco e cheio de vícios este, o do Homo-Sapiens, mas tão embebido nas mais surpreendentes virtudes e nos mais inexplicáveis mistérios.
Talvez não sejamos capazes de guardar a experiência de uma obra de arte como gostaríamos.
Talvez não sejamos geladeiras, capazes de armazenar produtos e recolhê-los, imutáveis, num futuro incerto.
Mas aí está a carta na manga deste ser pensante: Somos capazes de experimentar tudo de novo!
Por que é bom rever um bom filme!?
Por que é tão edificante reler um livraço!?
Da segunda vez, ou da terceira, da quarta, o sabor é totalmente diferente! Ao apertar o play daquele mesmo DVD, ao revisitar aquelas mesmas páginas, a nova bagagem da nossa vida tornará a experiência inédita!
Novas referências, frustrações, momentos de alegria, mágoas... tudo isso faz de nós, a cada dia, uma nova pessoa.
As piadas que deixamos de entender da primeira vez, as entrelinhas não percebidas, as sacadas de roteiro ignoradas... Eis que, uma vez mais, temos a chance de aproveitá-las!
Sem falar no prazer que é repetir um saboroso prato conhecido. A certeza da realização nos faz aguçados na busca por ainda mais satisfação!
Se há vantagens em desvendar uma obra com os olhos virgens, há outras nuances que tornam o repeteco bem interessante!
Existem, ainda, os que desejam devorar um determinado filme ou o livro como se fosse a última fonte de sabedoria do mundo! 5, 10, 20 vezes são capazes de revisitá-lo!
É a voracidade de espremer a mesma doce laranja várias vezes e, em cada uma delas, saborear uma nova gota que nunca havia provado.
Por isso, se me perguntarem se já vi o filme 'X', se já li o livro 'Y', responderei:
- Já sim, mas não conta. Ainda estou para ver todos os livros e filmes da minha vida! Mesmo assim, estou certo de que morrerei sem tê-los experimentado de verdade!
4 comentários:
Somos o que consumimos. Seja comida, livro, quadro, cinema, novela, música.
Tem o que é só entretenimento, passageiro. Tem o que é pra ficar.
A comida, penso na metáfora da comida. Dela, nutrientes serão aproveitados pelo organismo. Outros, serão restos eliminados pelo corpo. E isso depende de corpo pra corpo.
Um livro assim tb o é. Certas coisas ficam, dependendo de cada ‘organismo’.
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Qt à foto. Reconheço. É Londres, né? Tenho uma parecida. Com mais destaque praquele prédio à direita, lá no fundo, que imita uma fábrica cheia de chaminés. Aliás, falando em Londres. Que maravilha de recompensa a viagem de terça, no prendiz, hein.
Bela reflexão, sou consumidor voraz de livros, cds e atualmente, dvd e, que prazer foi rever ... E O Vento Levou quando muitos anos atrás o vi pela primeira vez, ainda continua para mim uma história lacrimejante e boba, não o reverei tanto como Blade Runner, Conta comigo ou Excalibur, livro vou reler Clarice Lispector pois cada leitura é uma nova descoberta, um conselho, leia o livro primeiro, depois assista a adaptação para o cinema, e não faça o contrário, agora não sei o que vocês acham de tão interessante nesse aprendiz? Felicidade hoje e sempre, abraço e sucesso. (http://odval.fotoblog.uol.om.br)
pronto, li tudo.
Cara, eu não abro mão de uma viagem nem com pé torcido. Hehehe... Me mandam aqui no trabalho pro Paraguai, e eu vou sorrindo, na boa. De graça então, mal nenhum. Imagina se o roteiro for Londres... Mas no caso do programa, é claro, que pruma primeira viagem, não pode ser na pressa. Quando vc volta àquela cidade, não será mais no mesmo impacto, mesmo tendo mais tempo pra ver tudo, sem as câmeras da Record por perto. Por isso, as experiências que os ‘felizardos’ do programa têm não são as mesmas que a gente, quando sai de férias pra esses países. O impacto é outro. Mas acho válido da mesma maneira. Concordo que é ultrajante gastar uma passagem pra ‘pqp’, só pra ficar dois/três dias e voltar a SP, pra continuar o programa. Mas não haveria programa se não fosse nesse estilo, ‘fast trip’. Vamos ali, dar uma passadinha no BigBen e voltamos já.
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