terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A rede da verdade

As tribos primitivas tuitavam.

Sabia?

Nem eu.

Este pensamento me desabou hoje, imprevisível.

Minha conclusão surgiu enquanto lia uma manchete de jornal.

Dizia assim: "Tuiteiros não avisam mais, apenas, sobre a Lei Seca. Alertam sobre blitz de polícia, alagamentos e acidentes de trânsito".

Me ocorreu o seguinte:

Neste mundo de canalhas, calhordas, falsos e egoístas egocêntricos, quem garante que os tuiteiros falam, sempre, a verdade?

Quando postam, em 140 caracteres, "Não passe pelo Aterro do Flamengo: Lei Seca na área!" - quem é que garante que não estão de brincadeira com a cara dos demais?

Pois é.

Mas o uso corrente e a vida cotidiana mostram: não estão!

Quase a totalidade das informações que circulam na twitter-net sobre blitzes da Lei Seca são verídicas. São, de fato, um alerta verdadeiro e solidário (ainda que eticamente discutível).

Algum código velado permeia as relações no twitter. Por alguma razão, ninguém ousa quebrar as regras da troca de informações sobre as investidas policiais contra os bebuns do volante.

E isto se dá numa sociedade de cidadãos isolados, autocentrados, onde a confiança é um artigo raro.

Na falta de argumentos lógicos para explicar tamanha contradição, me lembrei das tribos antigas, nômades, que vagavam em bandos pelo planeta Terra.

Naquelas civilizações, sem escrita, falar a verdade era fundamental.

Mentir era suicidar-se.

Dizer a verdade era a única forma de passar adiante a própria história. A tradição oral era a relíquia mais preciosa.

Toda a sabedoria, todo o aprendizado de séculos eram transmitidos de forma verbal e vocal.

Mentir seria jogar fora toda a experiência dos antepassados. Muitos pagaram com a própria vida para aprender a evitar precipícios, enfrentar animais selvagens, curar doenças.
.
A verdade era a garantia de que nada seria perdido.

A verdade era a autopreservação, o respeito à própria cultura e às origens. A verdade, já naquela época, era a pureza. Era o símbolo imaculado de uma realidade em que se podia confiar.

Por alguma razão, um instinto de sobrevivência resiste também entre os tuiteiros, unidos para desmantelar a rede anti-imprudência ao volante.

Por isso, disse antes.

As tribos primitivas, muito antes da nossa moderníssima civilização, já tuitavam.
.
Tuitavam de verdade.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Explicando

Como reagiu o primeiro homo-sapiens

quando ouviu o trovão pela primeira vez?


Quando viu irradiar pelas nuvens negras da noite

inéditos braços de relâmpago, em todas as direções?


Será que teve medo e correu pra caverna?

Ou teve uma divina inspiração?


Teve certeza de que estava vendo Deus?

De tão poderosa, barulhenta e sobre-humana a manifestação?


Certeza, esta, que o homem perdeu,

quando se achou capaz de tudo explicar.


Nuvens se chocam, carregadas de elétrons,

se esfregam e explodem em ruído trovejante.


Pronto, tá explicado. Tudo desvendado.


Sabemos como a coisa funciona, nos detalhes mais invisíveis,

e todos ficam felizes, satisfeitos.


Esquecem-se de perguntar a questão mais essencial:

quem colocou essas nuvens lá pela primeira vez?


Científica ironia:

revelar os mecanismos da natureza,

deixou, na realidade, o homem mais longe da verdade.


Deveriam aprender com aquele homem-macaco,

pré-histórico e pouco evoluído.


Bastou ver a explosão de luz e som

e não teve dúvidas:

É Deus.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Semanas

Semanas

seguem de mãos dadas

rumo ao futuro que deixa tudo pra trás.



O fim de cada uma

faz brotar o gosto pela próxima;

que será que virá?



Elas premanecem,

acorrentadas,

em uniforme compasso.



A cadência da caminhada

não deixa dúvida:

o que vem é igual a o que foi.



Rotina, semelhança,

e eu parado, de carona,

no ritmo da andança.



Nada muda,

eu não mudo,

exceto o passado que vai ficando mais pra trás.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sem piloto

A vida é o seguinte:

Você entra, senta e bate a porta.

O carro viaja sozinho, sem piloto.


O passageiro pode até escolher algumas coisas:

vai no banco da frente,

vai no de trás?

Fecha os olhos,

põe o capacete e aperta o cinto,

ou abre o teto solar,

põe a cabeça pra fora

e grita?


Enche a cara antes da viagem,

pra ver se dá mais emoção,

ou fica sóbrio, atento ao caminho,

para não ser pego de supetão?


Escolhas,

há muitas,

menos a direção das curvas,

a velocidade,

e o caminho a seguir.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Pistola e camisinha

Que as aparências podem enganar, nós sabemos.

Mas é incrível como, algumas vezes, o raciocínio lógico nos deixa tão distantes da verdade.

No livro O gosto da guerra do jornalista José Hamilton Ribeiro, um correspondente no Vietnã que, inclusive, perdeu a perna ao pisar numa mina, há um trecho bem interessante:

Ele conta o seguinte. Todo soldado e todo jornalista deveriam sair de seus abrigos rumo aos perigos da selva, impreterivelmente, portando dois ítens.

Uma camisinha e uma pistola.

Pra que esses dois objetos? Pensamos, é lógico, para fins sexuais e para matar o inimigo.

Algo normal numa guerra, não é?

Quem chegou à mesma conclusão, saiba logo: está redondamente enganado!

A arma não é para apontar para os outros, e sim para tirar a própria vida no caso de ser capturado pelo inimigo. O suicídio parecia uma saída mais digna do que sofrer torturas nas mãos dos vietcongues.

E o preservativo? Nada de sexo.

Era para levar cigarros, fósforos e documentos nos bolsos sem deixá-los molhar nos pântanos e nas chuvas. Protegidos pelo látex, ficavam intactos.

A certeza absoluta pode ser um caminho traiçoeiro.