sexta-feira, 29 de maio de 2009

Inimigo íntimo

Fedia.

E muito.

A álcool.

Exalava um cheiro forte de cachaça e pedia mais. Estava ao meu lado, na fila de uma vendinha aqui perto de casa. Como todo alcoólatra entorpecido, falava enrolado.

- Quero uma dose de Caninha da Roça!; e oferecia uma nota de dois reais.
- Aqui a gente não vende dose.
- Me dá uma dose!
- Não, não vende dose!
- Então me dá uma garrafinha!

O português atrás do balcão virou-se e pegou aquela garrafinha plástica bem pequena, com tampa de enroscar, como a dos refrigerantes. Entregou a ao moço barbudo e maltrapilho. Ele pegou a branquinha e foi caminhando.

Andava lentamente porque se acelerasse o passo iria cambalear. Conforme foi se afastando, sua voz esbravejando palavras ininteligíveis ia ficando mais fraca e inaudível.
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Agora a mesma situação, mas com o objeto de vício diferente:

Eu estava na mercearia aqui perto de casa quando um adolescente de classe média se aproximou, furou a fila, e pediu ao caixa:

- Me dá uma carreirinha de cocaína aí!
- Não meu filho.
- Me dá logo, vai! Tá aqui a grana!
- Aqui a gente só vende a peso.
- Mas só quero uma carreirinha!
- Não dá. Tem que levar o peso.
- Então me dá cem gramas aí, vai!

Negócio fechado, lá foi o menino caminhando com sua droga.
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A diferença entre essas duas histórias?

Bem, a primeira é verdadeira. Aconteceu hoje à tarde. A segunda é fictícia.

A outra diferença é a seguinte: a primeira ocorre todos os dias, impunemente, incentivada por comerciais de TV e pôsteres de mulher de biquini. A segunda não acontece nos mercadinhos de família porque o produto é proibido.

Esse assunto é velho, mas me voltou à cabeça depois que presenciei a cena de poucos minutos atrás. Qual é a diferença entre abuso de álcool e de cocaína?

É fato que aceitamos naturalmente essa hipocrisia simplesmente porque as coisas são como são. Crescemos sabendo que qualquer um bebe sua cervejinha no bar e que o papai e a mamãe compram vinho e uísque no supermercado para ocasiões de festa.

Mas sabemos também, desde cedo, que drogas de fumar, cheirar e injetar são ilícitas, excomungadas, mal-vistas pela sociedade.

Na prática, não há diferença alguma! Assim como a dependência de drogas, o alcoolismo é uma das doenças mais cruéis do planeta.

Aquele homem que comprou sua cachacinha não estava nem a meio metro de mim. E já não respondia por si. Devia ter dado o primeiro trago de manhã, para evitar as tremedeiras matinais vindas da dependência ao álcool.

Como perdeu toda a dignidade e o amor-próprio, ambos tendo sucumbido a doença, provavelmente abriu mão de almoçar para gastar suas míseras moedas em mais uma dose de cachaça pura.

E naquele horário, ao meu lado, repetia a cena que deve protagonizar todas as tardes. Já trêmulo, confuso, escravo de uma garrafa, trocava notas de dinheiro amassadas por mais uns goles de veneno.

É possível que nosso personagem, se já estiver com a doença em estágio avançado, tenha "delirium tremens". O sujeito tem alucinações, imagina que insetos e bichos grotescos estão lhe subindo pelas pernas.

É provável também que já não tenha carinho de familiar algum. É muito comum que os alcoólatras, mesmo que pessoas dóceis e alegres, se transformem em seres incontroláveis e violentos, incapazes de receber carinho e amor. Afastam todos os entes mais queridos.

Intoxicado, acaba fazendo do seu pior inimigo sua única fonte de vida. O corpo do doente não consegue ficar sem bebida. O organismo não funciona mais sem aquela substância.

Sozinho, fedorento, reduzido a nada, imundo e mergulhado nos próprios excrementos, acaba a vida sofrendo, desacordado, e de garrafa na mão.

Fosse possível tirar uma foto, lá estaria ele, inerte, na calçada, deitado sob um outdoor bacana de uma mega-empresa de cervejas.

Tão triste quanto o fim que espera tantos alcoólatras é a cegueira social.

Nosso metabolismo já está tão acostumado com o fato de que vender bebida alcoólica é normal quanto o organismo dos depedentes químicos está habituado às substâncias assassinas.

Como dizia Freud, a intoxicação é uma das maneiras de fugir da vida rotineira e monótona. Beber de vez em quando é legal sim. Nos deixa alegres e levemente irresponsáveis.

Mas não tolero é a falsidade das leis. Já que a escravidão foi abolida no século retrasado, as autoridades teriam a obrigação moral de evitar que seus cidadãos sejam dominados pelo álcool e pelas drogas.

Como? Há vários meios de se proteger e cuidar de pessoas viciadas.

Vende-se bebida sorrindo e abre-se um ruidoso "Óh" para a venda de drogas.

Sou contra todos os abusos e me mantenho distante de ambos. Só não me venha com hipocrisia.

3 comentários:

valmir disse...

Posso colocar mais um ingrediente na sacola? Cigarro.
Hj mesmo, aqui na Cinelândia, perto do trabalho, vários stands anunciando o mal que faz à saúde um maço de cigarro qualquer. Painéis com fotos que ninguém quer ver, dessas que vêm no verso do maço. Imensos, pra quem desvia os olhares enquanto traga seu cigarrinho.
Faz mal, ‘o ministério da saúde adverte’, mas nada faz além de taxar impostos sobre o produto. O viciado vai, no fim das contas, continuar comprando, gastando mais. Porque viciado não se importa com $$$, por mais miserável que possa ser. Viciado só se preocupa em conseguir seu prazer. E isso vale pra cigarro, pra cocaína, pra bebida, pra qualquer coisa que lhe roube anos de vida e saúde, independente da droga a ser usada.
Meu pai, por exemplo, foi fumante por muitos anos e só agora largou o vicio. Pq teve problema de coração. É lamentável a forma como lidam com isso. E bem complexo, eu sei. O que fazer? Levar à ilegalidade um produto rentável – a industria do tabaco emprega e gera lucro pra nações! – ou deixar na legalidade e combater o cigarro apenas com fotos chocantes em maços?

André B. disse...

É um dilema casca-grossa mesmo, Valmir. Não sei se seria o caso de proibir a venda da bebida, à la Lei Seca dos anos 30.

Não deu certo daquela vez, não daria certo hoje. Como também sou contra a legalização de venda de drogas. Acho que, ilícitas, pelo menos se mantêem longe de boa parte das crianças e adolescentes que não se interessam.

Acho que não há como zerar o problema. Não dá pra resolver de vez. Mas, talvez, uma sociedade que estimulasse menos o individualismo e o egoísmo pudesse contribuir mais para cuidar dessas pessoas viciadas. É utopia, mas seria uma saída. Abs

valmir disse...

Poxa, não achei a Marina bélica. Mas sim visivelmente nervosa.
Tensa ate demais, a ponto de gaguejar, como não tinha feito em situações anteriores do programa. Acho que soberba foi a menina que ficou em terceiro lugar, na penúltima sala de reunião, em que parecia confiante demais de ficar no programa, só pq ficou em segundo lugar na polemica prova do Chile.

Tb to ansioso pelo que Justus vai preparar pro Segundo semestre, acho que vem mais coisa bacana por aí. Agora, qual é a finalidade da ultima prova do programa? Gastar tempo e arrumar mais grana promovendo a marca da Fiat? Já que praticamente não levaram em conta o fato da Karina ter vencido com certa folga.