sexta-feira, 25 de março de 2011

Grifos e Lara

Da planta do pé até um pouco acima do tornozelo.

Isto é quanto mede, em média, uma calopsita adulta, pássaro originário da Austrália, da ordem dos Psitaciformes.

Duas calopsitas, uma em cima da outra.

Isso é quanto mede a boca aberta de uma pitbull.

Grifos e Lara.
Calopsita e pitbull.

Grifos pensa que é gigante. Tem marra e topete. E a nítida impressão de que é dono da casa e que todos à volta são serviçais. Quando falta água ou comida, não importa a que hora da manhã, enche os pulmões e emite um piado insuportável.

Lara nunca percebeu a força que tem. E nunca se deu conta do esteriótipo violento que rege sua natureza.

Grifos e Lara.
Convivem em paz, soltos pela casa.

Grifos não desconfia que correria perigo se Lara tivesse ciência do poder de sua mandíbula.

Mesmo provocada, apertada, instigada, amassada com carinhos humanos inconvenientes, Lara nunca cogitou atacar ninguém. Nunca teve o ímpeto de experimentar o peso de sua mordida que, dizem, equivale a 200 quilos e não solta jamais.

Grifos desfila pela casa, pia alto quando quer, não obedece os humanos e ignora carinhos. Transita por onde bem entende e não dá satisfações.

Lara é submissa. Se faz besteira, ouve bronca, e põe o rabo entre as pernas.

Ah, mas há momentos de tensão. Instantes em que a platéia pode jurar que uma tragédia está prestes a acontecer.

Às vezes, Grifos cisma, encasqueta.
Teima em cantar uma musiquinha estridente. Não, nada parecido com a meiga melodia de um pássaro. Imagine algo como a sirene ininterrupta de uma ambulância. Sim, aquela criaturinha de 15 cm consegue atingir incômodos 140 decibéis.

Lara sofre. Quase agoniza. Ouvido de cachorro é assim. Ouve frequências agudas que os humanos não captam. Imagina, então, o piar perseverante e irritante que os humanos captam. Tortura para tímpanos caninos.

Grifos pia. Lara o encara. Grifos continua. Lara padece. Grifos não pára. Lara não aguenta mais.
Lara poderia atacar. Mas sabe o que Lara faz?

Uiva. Implora.
Uiva um uivado alto, pedindo clemência, solicitando, em nome de Deus, que Grifos cesse aquela agruga.

E sabe o que Grifos faz?
Simplesmente pára.
Não por ter medo da enorme pitbull.
Pára porque se deu por satisfeito.
No seu íntimo minúsculo reside a satisfação de saber que tem muito poder.

Antes de ir dormir e desligar o computador, por acaso, olhei para a almofadinha que eles dividem à noite.

Os dois, nariz com nariz, bico com focinho.
Lara abre a bocarra.
Grifos não se intimida e, ameaçador, abre também.

Eu nem me meto.
É briga de cachorro grande.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Foto-verso

11 de setembro

dia e mês que não precisam de ano

Quais datas você conhece têm vida própria?

Não necessitam referência,

de folhinha de calendário?

11

dois algarismos,

lado a lado,

ruíram no impacto dos aviões

Muitos setembros depois

ainda constróem ali.

E o dia onze se basta.

Não precisa de explicação.

Não tem explicação.

domingo, 13 de março de 2011

Bom filme!


"Desligue o telefone celular. Em caso de emergência, siga as orientações da nossa brigada de incêndio. Desejamos a você um bom filme".

Quem nunca ouviu essa ladainha no cinema antes dos trailers?
Na verdade, isso nunca me incomodou.
O texto é sempre o mesmo, é fato.
Mas o mundo é cheio de clichês e existem situações em que ninguém tenta ser original.

Todo cinema pede para você desligar o celular. Isso é até bom.

Todo cinema fala das "brigadas de incêndio" que estão aí para ajudar. (Gostaria muito de presenciar este ser fictício em ação. O nome é superpomposo, mas será que as brigadas existem mesmo?)

O que me incomoda é o tal "Bom filme".

- Um bom filme pra você!

Pessoal, ou o filme é bom ou não é bom. E ponto.

Votos de "bom filme" não vão mudar nada!

Desejar "um bom filme" para os infelizes espectadores que acabaram de pagar ingresso para ver Anaconda não vai transformá-lo num concorrente ao Oscar.

Desejar um "bom filme" é hipócrita. E me irrita.

Votos assim devem ser feitos apenas para experiências, nunca para substantivos concretos.

Geralmente, as palavras "bom" e "boa" acompanham substantivos abstratos que serão fruídos pelos ouvintes.

Exemplos:

"Boa viagem!".
Ok, aceito seu voto. Espero gozar com conforto do trajeto Rio-São Paulo. E espero que o avião não caia.

"Bom trabalho!".
Claro, muito obrigado! Espero que meu dia de ralação seja menos estressante que outros que já passaram.

"Bom apetite!".
Obrigado, monsieur. Não vejo a hora de viver a experiência de degustar os deliciosos pratos de vossa excelência, o Chef!

... mas "Bom filme!".
"Bom filme" não!

Sugiro que o cinema passe a dizer o seguinte:

"Desliguem seus celurares, obedeçam à brigada de incêndio em caso de tragédia. Ah, e by the way, o filme que vocês vão ver agora é uma merda. Mas agora é tarde demais. Aproveitem!"

Prefiro que digam isso. É mais honesto.

"Bom filme" não dá.

Pronto, falei.

e Boa noite.