segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O homem mais rápido do mundo

O homem mais rápido do mundo.

Tão confiante. Tão sorridente.

Na apresentação, todos estão tensos. Menos ele.

A câmera aponta na sua direção. Ele faz careta, mostra a língua, faz gesto de arco e flecha com os braços.

Parece aqueles papagaios de pirata que ficam no centro da cidade procurando o link ao vivo do RJTV. No ligar da câmera, fazem de tudo para aparecer.

Ou aquela mulata na Marquês de Sapucaí que já dá sinais de cansaço. Pé ante pé, arrastando no chão, mostra que precisa mais de uns goles de ar do que de continuar rebolando. Basta o cinegrafista apontar as lentes que ela volta a todo vapor, sorrindo e sambando.

O homem mais rápido do mundo aproveita.

Lambe os beiços.

Saboreia aqueles breves instantes, aquelas breves imagens no telão do estádio a nas tevês de todo o mundo, enquanto o público e os telespectadores se matam de dar risada.

- Como pode um homem debochar tanto dos outros competidores? Como pode ser tão superior e tão bonachão?

Passadas as risadas, hora de largar.

Preparar, apontar e... tiro para o alto!

O homem mais rápido do mundo leva 9s58 para correr 100 metros.

Abre os braços, relaxa os músculos do rosto, cruza a linha muito antes dos demais, esbaforidos, correndo no limite de suas forças.

Mais câmeras. Mais focos. Mais caretas do atleta mais veloz da humanidade.

Uns sorrisos mais, muitos aplausos, um pódio.

A medalha de ouro, um último aceno.

E aí, a escuridão.
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Por que Usain Bolt brinca tanto com a câmera?

Por que faz tanta careta? Por que é tão irreverente?

O Jamaicano explode de paixão, transborda de carisma porque quer viver, na plenitude, todo o reconhecimento que merece.

E sabe quanto tempo dura esse reconhecimento, essa celebração? Pouco mais de dez segundos...

Bolt é um paradoxo.

É o homem mais rápido que já existiu, mas implacavelmente, sua fama dura o mesmo piscar de olhos de sua façanha.

Que frustrante deve ser.

Acordar cedo, dormir cedo, ter alimentação ultrarregular, tomar cuidado com o doping, abdicar de uma vida normal.

Treinar, treinar muito, treinar todos os dias.

Após uma vida de sacrifícios, com o palco armado e e a platéia ansiosa, o que acontece?

A performance do artista dura meros 10 segundos. Nem isso.

Que ídolo do rock suportaria isso? Subir no palco, tocar três acordes e ter que terminar o show?
Que estrela de Hollywood aguentaria? Aparecer no cinema por 10 segundos?
Que ícone do futebol ficaria satisfeito? Ter a bola aos seus pés por reles instantes?

E não são apenas os 9 segundos e 58 centésimos.

Há que se esperar quatro anos para maravilhar o mundo. Os 100 metros rasos só dão ibope nas olimpíadas.

E não adianta viver de marketing, viver de vender produtos Adidas e aparecer em comerciais de televisão.

Todo artista precisa fazer o que sabe, e ser reconhecido por causa disso.

Apenas algumas arrancadas de Usain Bolt chamam a atenção do planeta. As outras, em eventos inferiores, passam despercebidas.

Enquanto isso, bandas de rock fazem turnê mundial, tocam dia após dia para ginásios lotados.
Jogadores de futebol jogam 60 jogos por temporada.
Astros do cinema ficam em cartaz por semanas, depois viram DVD e nunca param de rodar filmes.

Enquanto isso, uma mancha amarela passa correndo lá no fundo.

Usain Bolt faz gracinhas para a câmera.

Ele deseja, com todas as suas forças, gozar seu merecido reconhecimento.

Se pudesse, pararia o tempo, congelaria os aplausos no estádio abarrotado. Correria por toda a arena, demoraria-se olhando nos olhos impressionados de cada espectador.

Se pudesse, gritaria em desabafo até quando não aguentasse mais, devorando com força aqueles instantes de exaltação máxima.

Não economizaria sorriso, saltaria de júbilo ante a platéia encantada, boquiaberta, como uma multidão de estátuas.

Bolt só deixaria o tempo correr novamente quando estivesse absolutamente realizado.

Como não pode fazer nada disso, o homem mais rápido do mundo segue seu destino inexorável.

10 segundos.

10 segundos apenas.

E nada mais.