domingo, 10 de maio de 2009

Ampulheta

Quem inventou a ampulheta

não escolheu o material por acaso.

Quer melhor metáfora para o tempo

que a areia?


Tente encher a mão com grãos bem finos e secos.

Por mais que se tente segurá-los, controlá-los,

eles nos ignoram.

'
Conforme passam segundos, minutos, dias,

o montinho do que passou vai aumentando.

Ganha corpo, fica mais pesado.

Conforme passam segundos, minutos, dias,
'
os grãos que estão por vir são cada vez menos,

e menos, e menos.

'
Quando o último grão passa pelo buraco,

do futuro, nada mais virá.

E o passado? Pulverizado, soterrado,

inútil como farelo de pedra.
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Quem inventou a ampulheta

percebeu que o tempo era indomável

e transformou-o num briquedo perfeito.


Já que é impossível controlá-lo,

por que não brincar com ele?


Quando o último fiapo de areia

está prestes a escorrer para o andar de baixo

Basta virar o objeto para começar tudo de novo.


Virando, virando, virando e virando,

sem deixar o ciclo se completar,

o homem brinca de Deus.


Na vida, sabemos quem manda

mas na ampulheta, quem manda é o homem.

O tempo, aprisionado naquele casulo de vidro,

desliza como a gente quer.

7 comentários:

Maria Clara disse...

tente fechar a mão estilo concha.....

Bibi disse...

Vc anda cheio de metáforas... A vida passada em revista. Isso é bacana!

jose luis disse...

nao era mais facil inventar o relogio?

André B. disse...

Zé,

o relógio é outra boa metáfora.

O ponteiro dá a volta no círculo e volta para o mesmo lugar, da mesma forma que o sol faz a órbita diariamente sober a terra.

Roda, roda, sempre de forma previsível.

Um dia, a bateria do relógio acaba...

valmir disse...

Pelo menos com ampulheta temos a opção de quebrá-la. Já com o tempo...

Zelma Rabello disse...

Não sei por que a matéria sobre a ampulheta me remeteu a um sonetinho besta, muito besta mesmo, e muito "pra baixo", melancólico, pessimista, que eu cometi há um tempo atrás. Mas já que o pari e me lembrei dele... lá vai:

CIRCULAR

Quanto tempo se perde nessa vida
tentando lhe encontrar algum sentido:
vai-se despetalando a margarida
e ao fim... é o mesmo trecho percorrido.

É sem razão a nossa humana lida.
É como um jogo que já vem perdido-
cicatrizar ferida por ferida,
ler as páginas de um livro já relido.

A vida é um chicote que fustiga
e ao seu bel-prazer é que castiga
aqueles que tem culpa e os que não tem.

Por isso esse conselho, minha amiga:
passe a vida fingindo que não liga,
porque pensar na vida... não convém.

André B. disse...

Sensacional esse poema, Zelma!

Achei de muita, muita sensibilidade!

O sonetinho não tem nada de besta.
Melancólico sim!

Pessimista, talvez. Eu diria realista.

A vida e o mistério do fim de tudo deixam esse gosto mesmo: um sabor de que tudo acontece conforme o planejado.

Nada surpreende de verdade. Os sofrimentos são os mesmos, as dúvidas, as tensões; todos são os mesmos de milênios atrás.

O tempo passa e a humanidade não se livra deles. Está aprisionada nesta existência.

Existir, e ter consciência da própria existência, dói.

É a maior benção, mas também a maior maldição do ser humano.