terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Olhar nos olhos

Li algo muito interessante esses dias. Um post no blog Sobretudo, Sobre tudo observava como o metrô é o único transporte de massas em que as pessoas se sentam cara-a-cara com as outras.

No ônibus e no avião há fileiras como as de cinema, um olhando para a nuca da pessoa da frente.

Curioso também é como as pessoas no metrô não se olham nos olhos, apesar da disposição geográfica ser favorável.

No suingue do vagão, a gente lê, olha pra baixo, olha a barra de ferro passando rápido pela janela, olha pra cima.

Percebemos como são as pessoas do vagão, como se vestem, se são magras, velhas, estudantes... mas nunca com um olhar fixo. Sempre disfarçando.

Se decidíssemos mirar os olhos uns dos outros, seríamos logo interpretados como inconvenientes. "Caramba, acho que aquele cara ali é maníaco! Tira o olho!"

Engraçado, o elevador é outro "meio de transporte" onde podemos ficar cara-a-cara. Mas a decisão, em geral, é a mesma:

Durante a curta viagem, olha-se para o relógio, digita-se algo a esmo no celular, tudo para evitar aquele olhar direto, um tabu na nossa sociedade.

Por que será?

Em contrapartida, outro dia peguei um táxi. Já percebeu como a maioria dos taxistas gosta de conversar? Aquele bate-papo sobre o tempo, se tá chovendo, se vai fazer sol...

Quase sempre também, ele conta sobre experiências pessoais. "Estou na praça há 37 anos", disse o meu motorista. Se o passageiro for extrovertido, rende altos papos.

Tudo isso sem que saibamos como é a cara do motorista do táxi.

Quantas vezes, quando sentamos no banco de trás, nos lembramos de olhar na cara do sujeito que está dirigindo?

O oposto também vale. Quantas vezes o motorista olhou direito a cara do passageiro?

Houvesse um crime, aposto que ninguém saberia fazer o retrato-falado.

Me peguei pensando; "Caraca, será que esse cara tem bigode?"

Foi o bigode ou não-bigode que me fez perceber como nunca sabemos ao certo a aparência do condutor.
Juntando as duas histórias, a do metrô e a do táxi, percebi que o problema não é a falta de assunto entre os cidadãos. Não é a timidez também (do carioca, então, não é mesmo). Nem é um possível desconforto de dividir experiências de vida com alguém.

O grande problema, concluí, é olhar nos olhos do outro.

Falar da própria vida, tudo bem. Gargalhar, bater-papo? Sem problema.
Mas olhar para a cara do desconhecido, aí trava tudo.

E o mesmo acontece na internet. Por que é mais fácil se abrir para pessoas virtuais do que para as de carne e osso?

Que medo é esse que temos? Medo de existir no próprio corpo? Medo de não ser aprovado? Medo de sair da bolha?

Ou será que somos programados para demonstrar indiferença com o próximo?
Na sociedade competitiva, deve-se mostrar superioriedade e descaso. Deve-se viver a própria vida.

Não por acaso, todas as metáforas sobre "zelar pela própria vida" usam o mesmo símbolo, nosso tabu social:

O Corpo Humano.

Olhar para o próprio umbigo. Cuidar do próprio nariz.

Porque no xx dos outros, infelizmente, é sempre refresco.

5 comentários:

Anônimo disse...

[bastidores do pensamento]

O que eu digo? Que o texto dele é ótimo? (eerr isso ele já sabe) Que o bloger dele é Show? ( acho que isso ele já tem ideia ) Que o blog dele e simples e na minha opinião ousado? ( isso é legal de dizer...) Como devo chama-lo? De senhor? ( não formal demais...) Então de rapaz? ( não muito individualista!) Nobre colega? ( garota você está em que década? Hello) então o que eu falo?

[digitando o comentário]

Sem comentário.

Ƭ. disse...

Olá,

excelente crônica.

Precisei, por um longo período, usar como meio de transporte o trem de minha cidade para ir ao curso que frequento (alternativo pq tivemos uma ponte quebrada). Aquele trem comum, de vagões intermináveis... de apito... velho, mto velho...

Vc me transportou àquele tempo. Onde eu sonhava em ser o q (de certa forma) sou hj, talvez até, um pouco melhor.

Obrigada.

Rach disse...

dé. olhar no olho é mto íntimo, mto pessoal, invasivo. as pessoas não conseguem olhar no olho nem dos próximos, quem dirá no vagão do metrô. não estou dizendo que não deveriam, mas é um exercício de ultra-exposição fitar o outro no que há que de mais revelador: os olhos.
lindo post.

Anônimo disse...

É a "atitude de reserva", amigo André. Eu não saio olhando nos olhos dos outros. Nem quero que fiquem me encarando. Mas o motorista do táxi sempre olha pelo retrovisor. Nunca reparou? Parabéns, pelo blogue. Faz um post sobre videgame?
Lambidinhas!! au au!

Anônimo disse...

Um destes dias, pela manhã, fazendo a volta para o trabalho, parei num bar, para tomar um café e aconteceu-me algo que nunca me tinha acontecido ...
No tal bar, eu fiquei junto do balcão e vem uma mulher dentro do balcão para me atender.
disse- me bom dia e eu respondi-lhe: « Bom dia ...» quando olho para ela ,faltaram-me as palavras, e ficamos nos olhando olhos nos olhos, sem pestanejar, cerca de 7 a 8 segundos, sem nunca ter visto a mulher parecia que nos conhecia-mos desde sempre...
então lá acordei e pedi um café.
ela foi servir meu café, julgo que tão confusa quanto eu com o sucedido ...
Quando ela voltou, pousou a chavena do café, e eu pedi a conta, ela levantou a cara para me dizer o valor e voltou a acontecer , ficamos grudados de novo, olhos nos olhos por mais alguns segundos ...
não era aquele olhar que as mulheres atrevidas fazem para paquerar, que isso aí eu conheço...
foi muito diferente, foi hipnotizante, sem nos sentirmos desconfortáveis pelo facto de nos olhar-mos tão directamente, e julgo que para ela tb...
então eu paguei a conta e ela foi atender outras pessoas na outra ponta do balcão, mas ela estava meio confusa, que até quebrou um copo no chão...
Saí do bar, meio embasbacado com aquilo, entrei no carro e fui para o trabalho.
Isto aconteceu á cerca de uma semana, e a verdade é que estou sempre lembrando disso ...