segunda-feira, 13 de abril de 2009

Contando histórias

Você tem dois minutinhos?

Gostaria de propor um desafio breve para quem tem um pouco de paciência.

Uma reflexão que está a um clique de distância.

Convido você a olhar agora para o relógio. Pode ser esse aí da tela do computador mesmo. Em geral, fica embaixo, à direita.

Ao clicar no botão 'Play' desse videozinho, em dois minutos você, provavelmente, estará arrepiado.

Minha intenção não é divulgar mais um desses videos manjados da internet. Não quero ser aqueles chatos que dão notícia velha.

É muito provável que você seja uma das 42 milhões de pessoas que já assistiram a esse clipe no Youtube. Se não for, que bom: a experiência vai funcionar melhor em quem sente o impacto pela primeira vez.

Mas quem já viu também pode participar. É comovente mesmo repetido.

Meu propósito não é chocar, não é abalar de graça. Gostaria de refletir sobre quais são os elementos de linguagem que fazem este clipe tão poderoso.

Por força da profissão, vivo me perguntando isso. Quais são as fórmulas para conquistar um telespectador, um público de cinema ou internet, num produto audiovisual?

Como fazer isso jogando limpo, sendo ético e honesto, mas sem abandonar o lado emocionante e sedutor de uma boa história?

Na minha opinião, o trecho abaixo é um bom exemplo. Um bloco de um programa da TV inglesa, um show de calouros daqueles que podem trazer fama (ou ridicularizar) pessoas comuns.

Apresentação feita, convite no ar:

Olhe para o relógio. Clique no Play. Daqui a 2 minutos e meio, a gente conversa de novo.




Não sei o que vocês acharam, mas pra mim, trata-se de um momento arrebatador. Emocionante mesmo.

Claro, há um lado clichê. Há um lado piegas. Mas existem, também, elementos de identificação muito poderosos, com os quais qualquer ser humano se relaciona facilmente.

É um daqueles velhos roteiros que tocam cada um de nós. A história do sujeito fraco e desacreditado que se põe à prova num grande teste, e é capaz de vencer todas as previsões mais pessimistas a seu respeito.

Mas há muito mais que isso.

Vocês perceberam que quase não há descrição?

Há, apenas, 10 segundos de apresentação do personagem. Uma voz em OFF conta que o cara se chama Paul, trabalha numa loja de celulares e que o mundo do Showbizz parece distante para ele. Ponto final!

E isso não quer dizer que o roteirista não conheça sua história completa. Pelo contrário, sabe tudo a respeito do protagonista. Mas escolhe mostrar apenas um trecho da vida dele.

Quando contamos histórias, temos a ilusão de que é preciso expor muitos detalhes, contar fatos minuciosamente.

Um engano. Às vezes, um personagem que se apresenta é muito mais espontâneo, eficiente e carismático.

Pelas palavras e pela linguagem corporal, Paul se revelou. Voz hesitante, um rosto nada popstar, personalidade insegura. Confessou ter o desejo incontrolável de ser cantor, mas temia um obstáculo quase intransponível: pouquíssima autoconfiança.

Pronto! Com 36 segundos de clipe, já conhecemos o personagem e seu conflito. Já sabemos que está diante de um grande desafio. O close nas expressões faciais dos jurados denunciam o menosprezo deles. Estava criado o cenário para um grande fiasco.

E tudo isso, lembro mais uma vez, sem precisar de descrição. Apenas depoimentos sinceros de Paul; uma boa edição de imagens, colando, em sequência, os olhares cheios de desdém dos jurados com o rosto apreensivo do calouro. Edição que cria tensão.

E trilha musical! Se bem escolhida, a canção deixa de ser pano de fundo para dar força à história contada. A musiquinha do início caiu bem.

Aí, Paul abre a boca para cantar...

Mas antes, outro recurso importantíssimo: Pausa. Silêncio. Suspense!

Ele pede, com um inclinar de cabeça, para que a produtora aperte o play na música de fundo. Enquanto isso, mais olhares de desprezo dos jurados. As pausas, nestes tipos de edição, são fundamentais para antecipar o clímax.

E aí, o ápice! Contra aparências e preconceitos, Paul choca todos os presentes com uma voz possante e surpreendente. Canta com vigor emocionante!

Aos poucos, todos aplaudem. Closes nos rostos revelam o espanto de cada um.

No fim, o "clímax do clímax". Paul atinge um agudo tão sublime que tem a força física de fazer as pessoas se levantarem. Todos, de pé, aplaudem! Os jurados se rendem.

A canção de Paul é o principal elemento que faz aflorar as sensibilidades. A música bem usada faz brotar arrepios.

Os aplausos e assovios do público presente são mais um ingrediente dessa química. A experiência coletiva de se emocionar, a catarse conhecida desde o teatro da Grécia Antiga, também fazem este vídeo funcionar tão bem!

Num piscar de olhos, 2 minutos e meio se passaram. Em 2:30, já nos envolvemos com uma história que tem início, meio e fim. Tão pouco tempo, mas tantos recursos para fazer a mensagem viajar com tamanha eficiência.

Contar histórias é fascinante. Seduz o homem desde os primórdios. Quando a humanidade não sabia escrever, a palavra oral era sagrada. Ninguém podia mentir, sob o risco de colocar toda a história e a cultura de um povo, passados de geração em geração, em risco.

Desde sempre, o homem gosta de narrar acontecimentos. Para fazê-lo com perfeição, não basta ter um bom personagem e um bom conflito. As "peças" complementares podem fazer toda a diferença.

8 comentários:

TATIANA SÁ disse...

Maravilhoso!
Parabens pela postagem!

MClara disse...

Eu sou apaixonada por esse vídeo. Vi na Oprah que ele é tão inseguro que ainda trabalha vendendo celulares, você acredita? Mesmo depois de milhões de cds vendidos.

Adoro essas histórias. Acredito que são elas que alegram nossos dias e nos dão esperança para seguir.

Beijão

Bibi disse...

Essa é a quinta vez que vejo esse video. Quando vi a foto lá em cima, pensei: lá vem. Na primeira vez, chorei. É a tal saga de um herói que a gente experimenta em alguns momentos da vida. Dessa vez, não deixei de ficar arrepiada e encantada. Sua descrição da montagem de um enredo me faz acordar de um sonho. Mas não atrapalha. Nossa vida é cheia de clichês e coisas que não fazem muita coerência. Esse Paul é cada um de nós, que esconde talento por insegurança; que mascara sentimentos por medo.
Você só esqueceu de colocar aqui as lágrimas de uma velha senhora na platéia. O Simon segurando a orelha para ver se Paul não escorregaria no agudo. Gosto de ver a maneira como ele se concentra, olhando um ponto infinito antes de cantar. Talvez buscasse algo no fundo da sua alma! Cantar é isso!

MClara disse...

Conheço alguém que conta histórias como ninguém...que faz você entrar dentro de um filme e te faz ficar arrepiada, levar susto, chorar, rir, só de ouvir!

Ele vive disso e é ótimo no que faz. Ah! Ele tem um blog também, o De vez em quando..

É muito bom!

hehe
Beijão!

marina w. disse...

fiquei muito emocionada tb. vc não vai acreditar mas acabei de vê-lo através de link do tuiter (rs) e agora vim aqui...coincidência!

Você viu esse?
http://www.youtube.com/watch?v=RxPZh4AnWyk

Mesmo gênero, mas parece que todo mundo já viu. Vi agora. Bolados.
Beijo.

marina w. disse...

http://www.interney.net/blogs/inagaki/2009/04/14/susan_boyle_paul_potts_musica_faz_chorar/

Mais informações.
Aquela mania que a gente tem de ver a aparência e julgar o conteúdo.

Tat disse...

Eu sou a única pessoa no universo que nunca tinha visto esse homem???? kkkk Detesto ver esses videozinhos, mas li o post todo 1º e não aguentei, tive que assistir. E não vou me contentar, vou procurar outros dele no 'yutube'. Mto lindo né!? Qt ao que a MClara disse q seu respeito me lembra um colega meu do ensino médio. Eu preferia ouvir as histórias dos filmes dele do que assistir. Abraço!

HBO disse...

Realmente, emocionante. E para colocar um pouco mais de animação na discussão, sugiro um video para quem não conhece o que é superação, entrem no youtube em Nick Vujicic. Conhecem?? bj