quinta-feira, 2 de abril de 2009

Invasão bárbara

Um asilo de velhinhos é um lugar triste.

Pessoas no fim da vida, que por uma razão ou por outra foram relegadas à reclusão.

Há quem cuide deles, é verdade. Mas há carinho?

Alguns, doentes, já saíram do ar. Não participam mais disso que chamamos de realidade.

Outros, lúcidos, estão lá por outros motivos. São um peso para a família. Não têm mais condições físicas para viver sem assistência. Não têm entes queridos. São sozinhos.

Na época de escola, fizemos uma excursão a uma casa de idosos. Levamos lembrancinhas, presentinhos baratinhos mesmo. Mas nossa passagem por lá teve uma importância inestimável. Jóias e ouro não valeriam tanto quanto nossas horas de carinho dedicadas a eles naquela tarde.

Em comum, os idosos têm, todos, um ar inocente. Não importa o que tenham feito durante a vida. Na flacidez dos corpos e nos cabelos brancos está uma ingenuidade só percebida em crianças. Incapazes, mesmo que quisessem, de fazer mal a alguém.

Foi aí que um filho da puta, armado com pistolas e um fuzil, meteu o pé na porta e abriu fogo.
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EUA, uma cidadezinha na Carolina do Norte, dia 29 de março de 2009.

Robert Stewart, de 45 anos, fuzilou doze pessoas numa clínica para idosos. 7 pacientes e um funcionário morreram. Quatro continuavam feridos no hospital. Os velhinhos tinham entre 78 e 98 anos. Ao contrário dos outros crimes covardes ocorridos nos EUA, Robert não se suicidou. Trocou tiros com a polícia, ficou ferido e foi preso.

Fazer esta pergunta é tão óbvio quanto recorrente, cada vez que acontece uma tragédia dessas: o que leva uma pessoa a tamanha crueldade?

Como nenhuma justificativa explicaria algo tão escabroso, talvez interpretar o ato em si nos dê mais pistas sobre os motivos psicológicos do assassino.

Metralhar uma escola de crianças ou uma casa de velhinhos é um símbolo de poder absoluto. Não há a mínima chance de reação. É um cabo de guerra injusto, onde só um dos lados pode vencer.

Além de tudo, é um crime sem honra. Não há mérito algum em tamanha carnificina. Bem diferente, por exemplo, dos duelos dos filmes de Bang Bang, onde cada rival tinha 50% de chance de vencer.

Por que esse tipo de homicídio é tão comum em países ricos? O que seduz tanto em chacinar pessoas indefesas e sem propósito claro?

Não tenho a pretensão de elucidar o mistério, mas podemos riscar a superfície.

Na cultura dos "vencedores", quem não vence não é nada.

Não há indivíduos com defeitos e virtudes. Só existem olhos para os tais 'Vencedores', cujas imperfeições ficam mascaradas por trás das glórias.

E há os que não conseguem alcançar os padrões de "vitória" concebidos pela sociedade.

Aos vencedores, é dado o direito de tripudiar dos perdedores. Por que será que as escolas americanas têm a cultura do "bullying" tão forte? (os mais fortes abusando dos mais fracos).

Em meio aos poucos 'winners' estão os muitos 'losers'.

Para a mistura que acaba em tragédia, faltam alguns ingredientes. A população da maior parte dos EUA (excluindo algumas metrópoles) é autocentrada e orgulhosa da própria ignorância. Não conhecem o mundo, não têm cultura geral, e se bastam no único estilo de vida que conhecem, o 'american way of life' medíocre e angustiante.

O americano médio se afirma tanto na própria cultura que acaba se afogando nas águas rasas e toscas da própria vida. Chega uma hora que não aguenta mais um horizonte tão manjado, um cotidiano tão atormentado e previsível.

Junte-se a isso uma incrível facilidade para adquirir armas. Um povo que se orgulha delas, que atravessou os séculos guerreando. O assassino dos idosos, aliás, era um caçador de veados. E, pasmem, uma das propostas levantadas para solucionar incidentes como este foi armar os enfermeiros!

Ignorância, frustração e pólvora se transformam em crimes inexplicáveis.

Há séculos, os EUA incutem em seu povo que o estilo de vida americano beira à perfeição. Os ideais fundadores da pátria são perfeitos. O sistema de governo democrático é perfeito. Os ideais puritanos que construíram a nação são perfeitos.

Fico imaginando como é a sensação quando cai a ficha. Quando o americano médio percebe que, ao contrário de tudo o que sempre aprendeu, sua vida não é perfeita. Pelo contrário, o vício de mergulhar no próprio umbigo é profundamente frustrante e alienador.

Talvez venha daí este ímpeto diabólico de sair atirando em velhinhos.

Qual o sabor de disparar contra uma senhora de 90 anos numa cadeira de rodas?

Seria um ato simbólico, de matar tudo o que fosse caquético e ultrapassado como a sua própria cultura?

Seria o gesto derradeiro de um perdedor, sujeito imperceptível aos olhos de todos, mas que acabara de se tornar visível?

Seria o último sintoma de uma doença cultural que inventa ideais? Quando o cara descobre que verdades são ilusões, tudo se transforma num vazio tão grande que até o gesto mais perverso não tem gravidade ou sentido.

Os americanos deveriam abandonar a idéia de armar as possíveis vítimas, como inspetores de colégio, enfermeiros e garçons de lanchonete. E atacar o problema real: desarmar a própria arrogância.

A ilusão da perfeição esconde podres, e é muito mais perigosa do que admitir as próprias falhas e reconhecer que há muito que evoluir.

2 comentários:

L&L-Arte de pensar e expressar disse...

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Remi disse...

Ou talvez o cara simplesmente tenha pensado que velhinhos não fazem mais nada de útil na vida, e que a única coisa que estão fazendo é respirar o ar dele.
Eu não penso assim de velhinhos, porque acho que, no geral, velhinhos são pessoas relativamente simpáticas, que não viraram "inúteis" ou só estão respirando o nosso ar, acho que eles ainda têm o que viver, por mais que seja jogando xadrez, na frente de uma janela com vista pras montanhas, com alguém que ele não gosta. Talvez até aproveite mais esse tempo do que os tempos nos quais ele ia pra bailes e paquerava sutilmente outras garotas.
Eu só consegui formular esse possível pensamento do assassino pois é isso que eu penso de pessoas em estados vegetativos, que estão respirando por tubos e que não fazem mais nada, e nunca farão mais absolutamente nada até a hora da morte.