12 de julho de 2008
15h10
"A linha Central só está indo até a estação Holborn por causa de uma pessoa sob o trem na estação Queensway"
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Simples assim. Direto ao ponto.
Sem meias-palavras, o metrô de Londres informou ao público o motivo da interrupção de uma de suas linhas.
Eu estava lá e tirei esta foto aí em cima. Não estou acostumado a tamanha honestidade.
Em geral, frente a grandes tragédias, os órgãos públicos preferem omitir a verdade, dizer que "houve um problema" ou que "não estamos autorizados a falar sobre o ocorrido".
Mas lá estávamos nós, diante da sinceridade nua e terrível escrita a pilot preto na lousa branca. Alguém havia, de fato, se suicidado na estação de metrô. Precisei registrar o momento para acreditar. Ou para, pelo menos, ter credibilidade mais tarde quando fosse contar a história.
Aquele assunto me angustiou muito. Ler o aviso não foi suficiente. Quando chegamos à fatídica estação (coincidentemente, a mesma onde pegávamos o metrô todos os dias), quis saber mais sobre o acontecido. Perguntei à funcionária do metrô, e mais uma vez, me choquei com a sinceridade dela.
Foi um relato emocionante. Ela estava profunamente abalada:
"Quando cheguei pra trabalhar, tinha acabado de acontecer. O funcionário do turno anterior acalmou as pessoas que estavam na estação, enquanto a equipe médica e bombeiros retiravam o corpo do trilho. Foi horrível. O clima na estação estava péssimo. Ao sentir a morte de perto, pensei nas minhas filhas."
- Mas esse incidente é comum no metrô de Londres?
"Infelizmente, é muito comum. Londres é uma cidade imensa e tem muita gente triste. E o metrô atrai muita gente que quer pôr fim à própria vida. Acho que são pessoas que querem atenção e, por isso, fazem isso na frente das outras. É muito simbólico. Inclusive, há uma estação onde isso acontece com mais frequência. Chama-se Mile End (algo como o Fim da Linha).
- Mas como isso acontece?
"O sujeito espera o trem chegar e simplesmente pula. O pior é para os condutores dos trens. No caso de hoje, ele viu que o homem ia se jogar e não pôde fazer nada; não dá tempo de frear. A cada suicídio, os condutores ficam de licença. Ficam traumatizados e têm acompanhamento psicológico. Tem gente que nunca mais volta a trabalhar".
- Há registro em câmera? Vocês sabem quem era a pessoa?
"Ah sim, aqui no metrô, tudo é filmado. O suicida era jovem, do leste-europeu. Com tantas câmeras e máquinas, o prefeito de Londres quer, inclusive, demitir todos os funcionários. Quer automatizar tudo! Quanta gente ia perder o emprego! Mas o que ele não entende é que, em casos como este, somos fundamentais para acalmar todo mundo."
Terminei a conversa elogiando muito o comportamento e a atenção de todos os funcionários, em especial o dela. A nós, turistas, carinho e paciência são fundamentais. Prometi a ela escrever para o prefeito para protestar contra a automatização. Promessa que nunca cumpri.
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Minha cabeça saiu de lá como um turbilhão. E continua até hoje toda vez que penso nessa história.
Primeiro, me chamou a atenção como esse tema tabu foi tratado em "pratos limpos" por todos os envolvidos. Se o incidente tivesse acontecido nos EUA, os funcionários agiriam como robôs, com a peculiar falta de jogo-de-cintura. Nunca teriam uma conversa franca a respeito.
Mas a funcionária daquele metrô, negra, com trancinhas e piercings na cartilagem dura da orelha, preferiu ser autêntica.
Mas a funcionária daquele metrô, negra, com trancinhas e piercings na cartilagem dura da orelha, preferiu ser autêntica.
Autêntica como sua aparência firme. Autêntica como um ser humano que tem opinião e sentimentos. Não se escondeu atrás do uniforme. Não atuou como uma peça fria da engrenagem. Viva a Inglaterra!
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Não à automatização do metrô de Londres!
Senhor Boris Johnson, prefeito de Londres, basta de máquinas organizando nosso dia-a-dia!
Basta de humanos-máquina que perdem a capacidade de sofrer.
Diferente de máquinas, seres humanos têm sentimentos. Às vezes ruins, que fazem alguns deles darem fim à própria vida.
Diferente de máquinas, seres humanos têm sentimentos; carinho e consideração com o próximo, que precisa de ajuda frente a uma grande tragédia.
Precisamos de mais gente. Gente de verdade, que pensa e que sente.
Senhor Johnson, fiquei te devendo aquele email, como prometi à funcionária.
Mas, um dia, hei de traduzir este desabafo para o inglês e te convidar para o blog!
5 comentários:
aroCara,
mais que um excelente post, achei sensacional o lance de você ter ido atrás "dos fatos" com a funcionária do metrô.
Eu também reparei nisso na sociedade inglesa. Essa sinceridade como ela deve ser, na transparência dos fatos, no respeito às diferenças e na liberdade de expressão ( vide a fantástica campanha publicitaria que durante o mês de janeiro varreu a cidade londrina com outdoors gigantescos com os dizeres em letras garrafais " God Probably Doesn't Exist. Now stop worrying and enjoy your life").
generalizações são complicadas, tendem a ser falhas. Mas que esse ambiente todo dá a impressão de ser muito menos hipócrita do que o normal, ahh, isso dá!
Viva a inglaterra! To junto contigo.
ps: esse "arocara" foi apenas erro de digitação, não é nenhuma gíria em tupi-guarani não!
fico a pensar nesta tamanha naturalidade.
:(
Querido sobrinho, que relato tão emocionante!!! E como é verdadeiro. A cada dia fico mais impressionada com sua sensibilidade. Vc é bárbaro. bj
Já presenciei algo quase parecido, no metro de Madri.O suicida tinha aprontado o seu ‘desfecho’ trágico antes de eu chegar no metro. Tudo parado, gente p* da vida por causa dos transtornos. Acho que essa ‘naturalidade’ não é típica dos britânicos, apenas. Talvez fosse dos europeus. Mas não agimos com expressões parecidas no dia a dia violento do Rio? Qd algo acontece ali na frente, transito parado, ficamos p* com o caos provocado por um mané de moto sem capacete que não freou a tempo... É a era do individualismo. Acima e abaixo da terra.
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