A frase dita não foi pra mim. Na verdade, eu estava distraído demais do mundo exterior, pensando na correria do meu dia-a-dia. Ainda assim, pesquei a frase no ar e acordei da hipnose.
Deu tempo de olhar pra trás e ver um grupinho de três funcionários, uniformizados com o traje cinza-feio de uma empresa que faz a manutenção dos computadores corporativos.
Naquele momento, o autor da frase esperava enquanto o advertido dava meia-volta e saía do banheiro em que tinha ousado entrar. Seguiram viagem até o sanitário"correto".
O primeiro andar dessa empresa de jornalismo é assim:
no mesmo corredor gelado de paredes cinza e carpete azulado, há três portas de banheiro. Numa delas está escrito 'Apresentadores'.
Ok. Admito que os apresentadores de telejornais precisem, realmente, de um banheiro exclusivo. Podem estar prestes a entrar no ar, estressados. Podem precisar ter certeza de que o toilette está livre, já que não podem perder tempo. No reino dos absurdos, este não é o maior deles.
Na outra porta, está escrito 'Jornalismo'. Aquele é destinado às demais pessoas que trabalham ali: editores, cinegrafistas, produtores, etc.
E na última porta, não há nada escrito além do tradicional bonequinho 'menino' ou 'menina'.
O engano cometido pelo funcionário da firma de computadores, rapidamente corrigido pelo colega, foi entrar no banheiro do jornalismo e não no banheiro dos zé-ninguém.
(zé-ninguém com 'z' minúsculo mesmo)
"Você não pode usar esse banheiro aí não!"
.
Ouvi a frase e despertei do meu estado de indiferença (aquele que apresentamos diariamente). Todos vivemos infurnados nos nossos próprios problemas. Olhar para o lado e se preocupar com pessoas desconhecidas só serve quando é pra fazer fofoca.
Mas a frase, dita de forma tão seca e conformada, me fez acordar do estado catatônico, voltado para mim mesmo. Olhei para trás por alguns instantes e não consegui sentir nada, a não ser indignação.
Que cena triste. O funcionário resignado com sua condição de excluído, informando amigavelmente ao outro, distraído, sobre a proibição. Aquele banheiro não era para o bico de nenhum deles.
E não é por falta de espaço. Ambos os banheiros, do 'jornalismo' e dos 'outros', possuem cinco vasos sanitários e quatro pias. Qual é o problema, então?
Por que separar toilettes como se vivessemos num sistema de castas? Qual a mensagem que se quer passar com isso? Seriam por motivos, meramente, de organização? Não consigo imaginar justificativa plausível.
Se eu estiver me sentindo mal e a primeira porta que eu vir pela frente for a dos apresentadores, será que não posso entrar?
Mais do que a proibição em si, me incomoda a passividade das pessoas frente a tamanho absurdo. Muitos nem param pra pensar como aquilo é discriminatório. Como uma simples plaquinha de banheiro pode desqualificar tanto um ser humano.
- Você não é digno o suficiente para fazer suas necessidades aqui! - diz a placa, nas entrelinhas.
E assim o homem se organiza socialmente.
Fazendo diferença até mesmo onde todos são iguais.
É a faceta mais mesquinha da humanidade. Merece ser excretada ralo abaixo, privada adentro. Merece o botão da descarga.
4 comentários:
Nojo, hipocrisia, o pior do ser humano.
Concordo.
Hipocrisia, preconceito, soberba... os piores defeitos da raça.
Dé vc é genial.
É assim que eu me sinto trabalhando com deficientes. Parece que eles não merecem viver. Até que ele não bata à sua porta.Nunca se sabe.bj
Drei, essa história me deu vontade de vomitar. Vomitar na cara dos FPDs que criaram e fortaleceram esse sistema nojento de exclusão. Que merda. Não consigo aceitar de jeito nenhum que isso exista nessa empresa de jornalismo. Que merda. Mas não é só aí que isso acontece. Um dia aqui no Ministério, na copa da divisão, vi um cartaz que dizia: "copo de vidro, só para diplomatas". Fiquei indignado e rasguei essa merda na hora. Não colocaram o cartaz de volta. Será que não tem nada que vocês possam fazer contra isso?
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