terça-feira, 31 de março de 2009

Foto ou frame?

Marcos Serra Lima é um amigo bacana.
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(Meio vacilão, pois faz muito tempo que ignora as peladas que a gente joga aos sábados. Ele bota a culpa no trabalho. Acho que é caô.)
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Fotógrafo que compreende muito bem a importância do ritual de capturar um momento.
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Na existência do universo, composta de muitos segundos e milésimos de segundo, congelar um instante para que ele exista eternamente é algo extremamente poderoso.

Vivemos uma época em que todos podem fotografar. A atividade, muitas vezes, parece reduzida ao simples ato de apertar um botão. "Click!", "Flash!" Pode ser de câmera digital ou de um celular.

Marcos percebe que essa realidade é algo infreável. Mas sabe que tirar fotos é muito mais do que "clicar" o botão. Nunca ouvi isso da boca dele, mas poderia apostar como ele acha que uma boa foto começa na cabeça. Antes de apontar a câmera, antes de ajustar o foco. Há que se transpirar razão e intuição, é preciso queimar a mufa antes de sentar o dedo.

Como disse antes, uma foto é o registro de um momento que se eternizou. A humanidade nunca teve o poder de parar o tempo. Quando, no verão de 1826, Joseph Niépce conseguiu a primeira impressão fotográfica através do controle da entrada de luz numa câmara escura, o ser humano percebeu que poderia perpetuar todas as suas memórias.

Isso é coisa séria. Seríssima. Para fotografar, não basta ter inspiração e um bom senso estético. É preciso, como nas outras ciências, estudar muito. Conhecer a máquina e suas possibilidades. Aprender a controlar a qualidade da imagem.

A banalização da foto, de certo modo, desvaloriza a atividade.

Marcos mantém um excelente Blog no globo.com, o Dois Cliques. Com texto inteligente e questionamentos sobre a profissão, ele transformou aquele espaço virtual que poderia ser, apenas, para uma exposição vazia de fotografias, em um fórum para quem quer aprender e discutir o tema.

A última questão levantada por ele foi a seguinte: as redações de muitos jornais e sites já têm o hábito de não mais tirar fotos. Os editores preferem que tudo seja filmado. Afinal, os filmes nada mais são do que uma sequência de "frames". E um frame, numa página da internet, nada mais é do que uma... foto!

"Será que a fotografia, como a entendemos hoje, vai se distanciar do jornalismo? Será que vai se aproximar da arte?"

Marcos, amigo, eu tenho uma teoria...
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Vou recorrer a uma metáfora aparentemente incompatível.

Comparo o gatilho de uma foto ao disparo de uma arma de fogo.

Ambos são poderosos. Explosivos. Existem através de um estampido, facilmente reconhecido por todos. "Flash", é foto! "Pow", foi tiro????
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A descoberta da câmera digital de filmar é como a bomba nuclear. A máquina tem capacidade de devorar frames sem distinguí-los. Engole as imagens. Não sabe separar o belo do tosco.
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Transformar frames em foto é um gesto insensível, é colocar todos os retratos no mesmo saco. É não dar a devida atenção a cada um dos "instantes" capturados.

Quando soltaram o cogumelo sobre Hiroshima e Nagazaki, os americanos não fizeram distinção: uma onda avassaladora varreu soldados, idosos, mulheres e crianças. Indivíduos, cada um com sua personalidade, com suas experiências, foram deglutidos como números.

A mesma brutalidade ignorante está na genética tecnológica de bombas e filmadoras digitais.

O que sobrou para as antigas espingardas, em meio às armas de destruição em massa? Restou um lugar de honra, um lugar nobre, onde a precisão e a dedicação são essenciais: o tiro esportivo nas olimpíadas, por exemplo!

O mesmo século XX, que inventou a bomba capaz de matar milhões de pessoas, concedeu uma aura aos que valorizavam a arte de atirar. Nos jogos olímpicos, pratos são lançados pelos ares. Ganha quem acertar na mosca mais vezes!

A fotografia não morrerá. Pelo contrário, ganhará um espaço cativo, onde especialistas e gênios serão cultuados. Em meio à avalanche de fotinhos de celular e filminhos de youtube, a foto artística bem feita terá ainda mais destaque.

É muito provável que a filmadora faça o jornalismo se divorciar da fotografia. Mas penso que as capas de jornais e sites sempre terão espaço para aqueles cliques de mestre. Fotogramas de rara inspiração nem sempre podem ser captados com o botão"REC".

Marcos, se a explosão atômica das fotos e filmes de celular realmente prevalecer sobre a Terra, estou certo que você será um dos atiradores olímpicos. Desses que treinam muito e tem amor à própria arte.
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Em meio à névoa e à fumaça, ainda existe horizonte para os que suam em busca da medalha. Apontar... clicar....Flash! É de ouro.

6 comentários:

TATIANA SÁ disse...

Concordo absolutamente com você. E, acompanho diariamente o blog do Marcos... sou uma apaixonada por fotografia, sem qualquer profissionalização no ramo,porém, apreciadora do fotojornalismo, da fotografia em estúdio, fotografia digital e fotografia como arte.
Torço para que os profissionais não se percam entre o bombardeio de "cliks" que chega ás portas de nossas casas.
Abraço!

Tat disse...

Eu conheci o seu blog por meio de um post do 2 cliques, então qq opinião que eu dê a respeito do trabalho Marcos será suspeita. Grande atirador! Ou melhor, fotógrafo. kkk

jose luis disse...

Andre', me responde:
como e' que voce tem tanta historia pra contar?
onde voce guarda tanta historia?

Marcos Serra Lima disse...

A bola de neve. Uma conversa à toa traz uma questão séria. Queimo a mufa para explicitar a mufa queimando: o que será do fotojornalista daqui a alguns anos?

Tenho um amigo-peladeiro-jornalista que também tem uma opinião a respeito. Ele faz uma analogia bem pertinente e convida mais gente a refletir sobre o assunto. Resultado: tem gente que veio aqui comentar que leu o post lá e tem gente que foi lá só pra dizer que leu o post aqui. Como diz o André, um "barbante e duas latinhas".

Do lado de lá do barbante, ele conseguiu - por votos e por mérito - uma foto nas "imagens da semana". Eu venho pro lado de cá
e não saio sem ter aprendido algo novo. Na forma e no conteúdo.

Quero deixar um muito obrigado público ao André B! Aprendo demais contigo, meu amigo.

MClara disse...

Genial!!!!!

André B. disse...

Respostas, na ordem:

1- Tatiana e Tat: Marquinhos é o cara!

2- Zé: Nunca parei pra me perguntar isso... não sei!

3- Marquinhos: Você tá voando na profissão!!! Mas pára um pouco de trabalhar e vamos jogar bola!!!

4- Mclara: Te amo!