segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

So damn lucky

Sabe essas músicas que você gosta, acha linda, mas só depois de um tempo vai prestar atenção na letra? Isso aconteceu comigo.

O trânsito tava brabo. Chovia. Eu ouvindo a canção que já tinha escutado incontáveis vezes. De repente, a ficha começou a cair. Devagar, sem esforço. "Caramba, será que ele está falando disso mesmo?"

Aos poucos, uma estrofe se juntou à seguinte, fazendo sentido, com significado amarradinho, como uma espinha dorsal. Sim, porque várias músicas começam versando sobre um assunto (amor, por exemplo) e logo perdem a lógica, perdem o nexo. Há músicas que se levam mais pela melodia e não tanto pela letra.

Pois esta não. Esta é inteira, tem início, meio e fim. E fala de algo que, poucas vezes, ouvi como tema de música. A letra é a seguinte:
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So Damn Lucky - Dave Matthews

Tudo ficou diferente
minha cabeça nas nuvens.

Bati no meio-fio
meu pé no acelerador
comecei a deslizar
perdi o controle
tudo está diferente
num piscar de olhos

Oh, meu Deus
espere e veja
O que acontecerá comigo agora
Coração congelado
rodas gritando
será que o grito vem de mim?

Sou muito sortudo!
Por você ter insistido e dito
"Te vejo mais tarde"
Eu te escutei
mas, alguns minutos depois,
estou deslizando
tudo está diferente de novo!

Me peguei pensando agora
que você fez tudo o que podia quando disse
"Amor, pega leve, vá devagar"
"Ok", foi minha resposta.

Oh, meu Deus
espere e veja
O que acontecerá comigo agora

Coração congelado
rodas gritando
será que o grito vem de mim?

Me leve de volta
para pouco antes de eu estar rodando
me leve de volta
para pouco antes de eu estar tonto
me leve de volta
é incrível o que pode acontecer em um minuto.

Rodando, rodando, rodando...
É incrível o que pode acontecer em um minuto.
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É isso mesmo. A letra versa sobre um acidente de trânsito. Simples assim.

No refrão, Matthews congela aquele instante logo após o carro ter batido. Um momento de pânico. Quando acontece um imprevisto, é como se nossa consciência aflorasse com tal potência que parasse o tempo e tomasse ciência, por centésimos de segundo, do que está prestes a ocorrer.

Frações de segundo, mas dá tempo de ter medo, de se arrepender, de se perguntar "por que eu estava tão depressa?"

A letra, do início ao fim, parece uma "confusão mental" de tempo, a mesma que apresenta um doente que acaba de acordar de um desmaio pós-acidente. Como um fluxo de pensamentos.

Não segue uma ordem cronológica. Narra o evento do carro capotando, congela o instante em que está prestes a se espatifar, volta para o momento pré-acidente, conclui que é muito sortudo por ter sobrevivido, retorna para o segundo em que estava saindo de casa, quando sua mulher o alertou para pegar leve...

É uma letra existencial. Já deve ter ocorrido essa sensação a todos.

Como um minuto pode mudar uma vida inteira.

Como, se pudéssemos voltar no tempo, salvaríamos alguém que amamos de algo ruim.

Como passado e futuro se interligam por palavras e pequenos gestos que parecem pré-destinados a existir.

O tema é tão óbvio, mas tão sensível. A canção é tão suave, mas tão poderosa.

Uma música sobre vida e morte, sobre amor nas curtas palavras, sobre lembrar de quem se ama. Sobre pôr tudo a perder num piscar de olhos.

Não há alegoria melhor para isso do que um carro.

Considerado por muitos a extensão do homem, símbolo fálico de poder.
Máquina que dá ao homem a capacidade de se mover com velocidade sobre-humana.

Mas uma cápsula que ilude, e faz perder o controle num instante

A frase-título, 'So Damn Lucky', ou "Sortudo pra cacete!", resume a sensação deste eu-poético que escapou do acidente fatal.

O acaso o salvou.

O acaso o ofereceu a chance de voltar para sua esposa, que poucos minutos antes o tinha alertado: "Vai devagar!"

Muitos não têm essa chance, embora merecessem. A chance de voltar atrás.

E Preste atenção: A melodia tem o ritmo de um carro em movimento na estrada, com aquela levada constante. Quando se viaja dirigindo, sente-se, no volante, a vibração das rodas girando sem fim.

Os amigos do blog me verão muitas vezes falando sobre o sul-africano Dave Matthews. Para mim, um dos maiores poetas da música. Homem das melodias mais simples e mais bonitas.

Quem ficou curioso, é só clicar aí embaixo.
Em versão acústica, Dave Matthews e Tim Reynolds em NY, Radio City Music Hall, em 2007.

So damn lucky.


Enquanto eu dirigia, do nada, me caiu a ficha desta letra.

Sou muito sortudo!

6 comentários:

Anônimo disse...

Tem mais é que falar do DMB mesmo!!! Essa música é muito boa. É incrível a imensa qualidade das composições do Dave. O cara é genial, tem um dom... Mesmo o último disco, o Stand Up, que não achei muito bom, é melhor que 97% das coisas que rolam por aí...

Ƭ. disse...

além de sortudo,
um excelente escritor.

:)

André B. disse...

Obrigado!

Quando a gente escreve posts que ficam longos assim, fica logo com medo de ninguém querer ler, hehe.

Anônimo disse...

OI Dé, nem conhecia esse cara ,mas achei a música linda. Bom, vindo de sugestão tua né?? AHahahahah. Ô tia coruja ( para a tristeza das duas outras sobrinhas)bj

Fernando Burgés disse...

Cara, simplesmente genial mesmo. DM num outro patamar. E olha que não precisa nem pegar baixo comparando-o com escabrosidades do atual mundo pop. Ele continua sendo um monstro mesmo olhando pras bandas e compositores de respeito de hoje.
Além do que, em se tratando de DV, eu sempre achei que, tão importante quanto suas melodias e suas letras, assisti-lo cantar preenche ainda mais sua música. A expressão facial dele é simplesmente foda!

Unknown disse...

Eu não acredito em acaso, acredito em Deus mesmo, esta figura fora de moda e careta. Mas é um cara que eu conheço e já me deu uma segunda chance. Esta música é sobre isso. Vc fica tão pequeno quando pensa : "e se...". É a angústia que está lá todos os dias (e que a gente esconde debaixo da nossa vida atribulada) esfregada bem na cara.

ps-pedido da internauta: aproveitando a pegada, escreva sobre a Dancing Nancies - "could I have been someone other than me...".