terça-feira, 14 de julho de 2009

Abandonar

Uma história de cortar o coração palpitou nos jornais no início desta semana.

Após uma festa junina, uma mãe deixou a filha de apenas cinco anos dormindo no apartamento e desceu para buscar a outra filha.

Num intervalo de 20 minutos, já estava de volta à casa.

De forma trágica e irônica, o sistema das câmeras de segurança, que mostrava a mãe entrando no elevador, exibia também, no monitor ao lado, imagens do pátio do prédio, onde caíam um cobertor e uma mochila.

Enquanto a mãe subia ao encontro da filha, voavam janela afora objetos saídos do apartamento dela.

Apenas 38 segundos após a mãe ter entrado pela porta principal, quem despencou frente às lentes do circuito interno do edifício foi a própria menina. Desabava, ali, a vida de uma família inteira.

Vamos considerar a hipótese mais provável: não houve crime. Trata-se de um horrível acidente.

É possível imaginar a dor do pai e da mãe desta criança, que poucas horas antes, enquanto mastigavam salsichão e cocada, nunca pensariam que não teriam a filha na festa junina do ano seguinte?

Deste drama catastrófico surge uma importante questão: É necessário punir os pais de uma criança que morre em circunstâncias assim? Será que a tragédia em si não é castigo mais do que suficiente?

Fátima e Gilson, pai e mãe, foram detidos imediatamente, sem direito à fiança, por abandonar uma menor incapaz sem o cuidado adequado.
O que pensar deste caso? Foi abandono de fato? Foi negligência? Ou foi apenas uma infelicíssima coincidência?

Fico me imaginando daqui a alguns anos, como pai de uma criança que ainda não existe.

Será que é tão absurdo assim deixar o filho rapidamente em casa, entretido pelo desenho animado da TV, enquanto o adulto desce, num pé lá outro cá, para buscar uma encomenda na portaria?
Na minha opinião, esta é uma cena diária, comum e inofensiva na vida de muitas famílias.

O desafio de criar um filho é como ensiná-lo a andar de bicicleta sem rodinhas: nunca se sabe o momento exato de desampará-lo e deixá-lo pedalar, livre, rumo a uma aventura particular.

O paradoxo angustiante está no seguinte: a criança só aprende se você sair de perto. Só aprende se correr o risco real de se machucar. Só vive e amadurece se souber que as mãos seguras dos pais não estarão ali do lado na hora da queda.

É isto que faz desta desgraça, ocorrida no Rio de Janeiro, algo tão cruel.

Toda mãe já sofre pelo simples fato de deixar o filho encarar, sozinho, os desafios da vida. Todo pai fica aflito quando percebe que é impossível cuidar do filho 24 horas por dia.
Quando tudo dá errado, a culpa é insuportável.

Frente à esse sofrimento tão difícil de compreender, e mais difícil ainda de traduzir em frases ou idéias, resta-me o desejo de que essa mãe e esse pai sejam, em breve, visitados por anjos.

Anjinhos do bem, cheios de calor divino e palavras de conforto. E que, no meio deles, eles reconheçam o rosto familiar de uma menininha de 5 anos, sorridente, cheia de perdão a oferecer.

É disso que eles mais precisam.

7 comentários:

HBO disse...

Muito sensível! Vc consegue se colocar do lado de lá sempre. Isto que é fantástico.
É muito tocante o que vc escreveu. bj

mmy disse...

resovi deixar uma mensagem e, veja que coincidência, os caracteres exibidos para eu digitar foram " moterth".se vc mexer nas letras, sai um mother....sinistro.
a questão que vc colocou, ou seja, se é necessário punir os pais por abandono quando o resultado já constitui castigo suficiente...o direito penal prevê essa possibilidade e deixa de punir-quando não há a intenção no cometimento do crime, claro, porque o resultado já foi castigo suficiente. Aconteceu com a Torloni.o que chama a atenção neste caso é que esses pais foram presos em flagrante por abandono e os pais da garotinha de SPaulo,que tinha todas as indicações de intencionalidade de alguém,não. explicar isso pro leigo é dificilimo...

Zelma Rabello disse...

Pô, André!... Matou a pau!... É isso aí! Que coisa mais maluca isso de querer ainda punir aqueles que já estão sofrendo a maior dor do mundo! Perder os pais dói, mas é de certa forma natural. Agora... perder filho! Ainda mais com o agravante de se sentir culpado! Já é demais. Se não tivessem se preocupado com a integridade dela, as janelas não teriam telas de proteção!... Se ainda não havia sido consertado o estrago que um ferro de passar roupa fez nelas, provavelmente foi porque não tiveram condições financeiras para fazer o reparo. Talvez devesse ser condição para o "habite-se" que as residências já possuíssem essa proteção, independentemente de morarem ou não crianças nelas, porque crianças visitam outras casas e nelas correm sempre riscos. Criança cega a gente. E às vezes é pra sempre...

Maria Clara disse...

Eu fiquei arrasada com essa história. Tadinhos...como se já não fosse doloroso o suficiente, os pais ainda podem sofrer punição e, o pior, tudo ocorrendo de maneira pública, com a TV, jornais e etc (odeio a palavra "midia")gravando cada passo, montando reconstituições, entrevistando a mãe desesperada e sem chão. Eu tenho muita pena. Tenho mesmo.

valmir disse...

Fala, grande André!
To de volta, fim de férias... Soube desse caso, terrível mesmo. O caso da menina Nardoni veio logo à cabeça, apenas de agora os pais não terem culpa. Ou teriam? Deixar uma criança pequena sozinha em casa, mesmo que por alguns minutos? Cara, como é dificil opinar sobre isso. Ela tava dormindo, né. Triste, muito triste. Uma culpa que os pais terão pra sempre.
abração

André B. disse...

É, meus queridos.

Acho que, em comum a todos nós, uma compaixão unânime por essa família atropelada pela tragédia.

Não tem muito o que falar.

Fala, Valmir! Bem-vindo de volta!
Espero que você tenha curtido as férias, cara!

Vou dar um pulo lá no Sobretudo.

quem também quiser visitar, vale a pena.

http://sobretudo.nafoto.net/photo20090716153733.html

Abração

Remi disse...

Eu pensei desde o início que não fazia nenhum sentido o que estavam fazendo, e que os pais não merecem nem um pouco serem presos!
Mas ainda não tinha lido bastante sobre isso, do jeito que você colocou, que foi, de fato muito sensível, me foi bom para esclarecer melhor o caso e perceber que minha opinião é mais essa que você mesmo colocou do que simplesmente "os pais não parecem culpados".