quarta-feira, 29 de julho de 2009

Corpos embrulhados

Às vezes, passamos e vemos.

No chão, corpos embrulhados. Já viu?

Dia chuvoso, friozinho do inverno, e uma massa corporal qualquer repousa sob um cobertor imundo na calçada.

Poderia ser qualquer coisa: caixas de papelão, um amontoado de coisas sem importância, lixo...

Mas são humanos. Humanos!
.
Sempre que passo, imagino o porquê de se cobrirem tanto assim, da cabeça até os pés.

Claro, a baixa temperatura faz com que os moradores de rua se encolham sob as cobertas.

Mas há algo mais.
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Empacotada naquele embrulho, está também a auto-estima dos mendigos.
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À beira da sociedade, repousam sem ser incomodados. Dormem sem identidade, sem rosto. Ignorados pelos pedestres, esquecidos pelas autoridades.

A prova de que o amor ao próximo não está entre as principais qualidades do ser humano.

Contraídos, enrolados nas cobertas, diminuídos para se proteger do frio, não revelam se são homem ou mulher. Se são menina, adulto ou idoso.

Nada se vê. Apenas um volume se insinuando sob um cobertor fétido.

Nas entrelinhas, lê-se o seguinte:

Estão vivos? Estão mortos? Não importa. Ninguém se importa.

Afinal, o que é um embrulho com uma pessoa dentro senão aqueles sacos pretos para transportar cadáveres?

Empacotados, caídos na calçada, berram em silêncio:

-Somos mortos-vivos, sujos indigentes. Mas você não está nem aí!

6 comentários:

Unknown disse...

I don't like poems....

Mas, a observação de Drei é válida.

Tenho a comentar que o maior problema disso no Brasil, fora logicamente a questão da distribuição de renda, oportunidades, etc, é que o Brasileiro tem aquela velha mania de achar que nada é problema dele, é sempre dos outros ou do governo.

Isso tem nome. Chama-se falta de cidadania. Não sabemos o qué ser efetivamente um cidadão, achamos que temos que receber tudo do governo, logo não agimos, não lutamos, não buscamos nossos direitos e nos acomodamos, seja com a violência, seja com a ineficácia do Estado, seja com os indigentes.

Falei.

Priscila C. disse...

Lembrou-me Manuel Bandeira:

O BICHO

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

valmir disse...

Tem razão. É angustiante passar pela calçada, muitas vezes apressado para ir ao trabalho ou voltar pra casa, e deparar com aqueles corpos. Agora, a nossa angústia dura o tempo necessário para dobrar a esquina. Somos cada vez mais imóveis expectadores dessa realidade. Me incomoda, me angustia, me faz pensar por alguns minutos naquela pessoa que vai passar frio e fome à noite. Mas por que não ajudo aquela pessoa? Porque entre a angústia dela e a minha, primeiro a minha. Viro a esquina. Perigoso estar ali. É assim que, infelizmente, funciona.

hbo disse...

Simplesmente ANGUSTIANTE cruzar com esses pacotes, ainda mais no frio que está fazendo aqui em São Paulo. Que sensação de impotência.
E ninguem faz nada. É muito cruel essa diferença social. Essa falta de oportunidade que esses seres tem. è isso.

André B. disse...

Felipe,

concordo que falta cidadania e mobilização social! Parecemos um bando de incapazes de protestar por qualquer coisa.

Priscila,

achei o poema muito pertinente. Tudo a ver mesmo. Não é de hoje que o homem se animaliza. Pena.

Valmir,

Concordo. Nós nos angustiamos mas não conseguimos fazer muita coisa. Não conseguimos e não sabemos como romper essa nossa bolha e ajudar. É f...

Tieta Helena,

Com o frio, é pior ainda. Triste cena comum, que a cada dia se torna menos triste de tanto que se repete e se banaliza. Filhosdasputas são esses governantes! Podiam ajudar tanta gente com os impostos que a gente paga!!

Beijos e abraços a todos

Fernando Burgés disse...

excelente post dezão