quinta-feira, 30 de julho de 2009

Homem na corda

Tive medo de chegar à janela. Tomei coragem e olhei lá pra baixo.

Em 1998, subi ao último andar do World Trade Center, em Nova York.
Havia um mirante no 104° piso da Torre Norte.

Das coisas que mais me lembro, uma delas era a velocidade do elevador. Do chão até o topo, os andares iam ficando pra trás no mostrador digital. Parecia um cronômetro: cada piso passava como um segundo.

A outra era assustadora. Quando olhávamos, lá do alto da janela, para a outra torre gêmea, a víamos balançar. Sim, os dois prédios, de tão altos, gingavam levemente, como um pêndulo, de um lado para o outro. Foram feitos assim para resistir às rajadas de vento.

Morrendo de vertigem, olhando para os carros pequenininhos lá embaixo, eu ainda não sabia dos dois grandes ataques da história daquelas torres.
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Um deles ainda estava por vir; seria letal, catastrófico e definitivo.

O outro tinha acontecido mais de vinte anos antes. E foi algo belo e assustador como o mundo nunca tinha visto.
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"A morte está muito próxima", disse o francês Phillippe Petit pouco antes de começar a caminhar pelo cabo de aço que ligava as duas torres. Ele conhecia os perigos e sabia que estava prestes a cometer uma loucura total. Mas aquele ato era, também, fruto de muito estudo, muita coragem, uma pitada de subversão e a conquista de um sonho de 6 anos.
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Assisti, esta semana, ao filme Man on Wire, chamado no Brasil de O Equilibrista, vencedor do Oscar de melhor documentário de 2009.

É um filme mágico, que conta a peripécia de Petit em agosto de 1974, quando caminhou entre os prédios do WTC a 410 metros de altura. Quem não viu, tem que ver!

É a história de uma obsessão que começou em 1968, na sala do dentista, quando Phillippe viu o desenho dos arranha-céus numa revista. Eles ainda nem haviam sido construídos.

Com a ajuda dos fiéis amigos e da namorada, o equilibrista já havia caminhado na corda bamba sobre a Catedral de Notre Dame, em Paris, e numa ponte em Sydney. Precisava dos companheiros mais do que nunca para realizar a façanha em Nova York.

Phillippe viajou aos Estados Unidos várias vezes durante um ano. Estudou tudo o que era preciso saber sobre as torres. E, de primeira, concluiu:

"É realmente impossível fazer isso. Então, vamos começar a trabalhar."

Quando lemos ou ouvimos falar da loucura de Petit, não conseguimos ter a dimensão exata da dificuldade do que o camarada fez.

Pense na proeza por um segundo: Como levar um cabo de aço de 200 kg até o topo? O que fazer para atravessar o cabo de um terraço ao outro? Como fazer isso sem ninguém perceber, já que era proibido???
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E como, finalmente, caminhar no infinito dos céus, aguentar as rajadas de vento e suportar a assustadora visão da imensidão abaixo dos pés?
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O planejamento parecia o de um assalto a banco: havia desenhos, simulações, cálculos e maquetes. Phillippe treinava na França e pedia para os amigos balançarem a corda bamba, simulando a ventania de Nova York. Sabia que se tratava de um feito histórico. Registrou tudo com a própria câmera.

Para enfrentar o medo, havia um jogo psicológico: o francês alugou um helicóptero e sobrevoou as torres. Era uma maneira de ficar ainda mais alto do que ele estaria quando realizasse a extraordinária caminhada. Um modo de dizer a ele mesmo que o monstro não era tão assustador assim.

Quando enviou à namorada um cartão postal de NY, escolheu a foto das torres. E desenhou sobre elas um fiozinho, ligando o topo das duas. Uma vitória simbólica sobre o perigo que iria enfrentar.

"O objeto de desejo, o sonho, fica ali parado, imenso, te encarando, te desafiando"; descreveu Petit. O francês se sentia provocado, instigado pela presença arrebatadora daquelas torres.

Petit. Você já deve ter notado, né?

Petit significa "pequeno" em francês. Um revival de uma das fábulas bíblicas mas conhecidas: o pequeno contra o gigante. David contra Golias!

Mas o nosso David não usava estilingue. Na verdade, até cogitou usar a atiradeira. Mas seu melhor amigo acabou sugerindo o arco e flecha! Foi uma arma mais eficiente para fazer a corda, enrolada em carretel, na calada da noite, percorrer o vão de 60 metros de um edifício ao outro. Uma vez atirada, a flecha desfez o rolo de fio e teceu-se o tênue caminho entre as torres.

O plano para chegar até o topo era incrível: todos disfarçados de operários, de capacete, crachá e macacão, usando o elevador de cargas para carregar o cabo de aço. Um álibi perfeito, já que o complexo não havia sido inaugurado. Estava ainda em obras.

Viraram a madrugada escondidos dos policiais. Uma dupla de um lado e a outra do outro. Um disparou a flecha, o outro a recolheu no prédio vizinho. Com a corda entre eles, experientes na labuta e na contravenção, puderam, assim, passar, de um lado para o outro, cordas mais pesadas, mais densas, até que fosse possível, também, atravessar o cabo de aço. Tudo com muita discrição.

Voilá! Apesar de muita tensão, tudo pronto com o nascer do sol. Petit estava prestes a enfrentar o gigante.

Manhã de 7 de agosto de 1974. Petit deu os primeiros passos, com medo, para testar o caminho. Tão logo ficou seguro, começou a se apresentar!

Ia pra lá, pra cá. Deitou-se na corda bamba, ajoelhou-se e fez reverência para o público. Uma multidão, lá embaixo, acompanhava tudo aterrorizada e fascinada! Mas não podiam ver os detalhes! Phillippe Petit era um pontinho negro meio-quilômetro lá nas alturas.

Lá em cima do fio, cometeu ainda mais uma ousadia: olhou pra baixo!

A polícia chegou ao topo! -Você está preso, saia já daí!; berrou o megafone.

Petit ria e provocava. Andava até pertinho do policial, dava meia-volta e retornava ao meio do caminho!

- Saia agora daí ou então vamos mandar um helicóptero te buscar!!!

O francês percebeu que era hora de dar fim à aventura. Quando abandonou a corda-bamba e se entregou às algemas da polícia, tinha permanecido 45 minutos sobre as nuvens. Cruzou o cabo de aço oito vezes.

Pela primeira e única vez na história, as torres Norte e Sul estiveram ligadas. Petit uniu os irmãos gêmeos. Transformou-os em siameses.

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O ser humano conhece duas formas de conquista: pela força ou pela genialidade.

A história consagra violentos guerreiros. Até hoje estudamos Gengis Khan, Júlio Cesar, Adolf Hitler, Napoleão.

A história também eterniza gênios e artistas. Leonardo da Vinci, Isaac Newton, Platão, John Lennon mudaram o mundo.

Quando as duas torres foram instaladas no sul de Nova York, numa zona suja e pouco nobre da cidade, provocaram alguma sensação em todo homem que as admiraram.

Aquele colosso, até então a mais alta construção já erguida pela humanidade, despertou em muitos um ímpeto conquistador. Um desejo louco de ser maior do que a imensidão dos gêmeos de aço.

Osama Bin Laden (e os terroristas que ele representa) vislumbraram o impacto mundial de conquistar aqueles edifícios. Por motivos históricos, alguns bem razoáveis, escolheram o caminho da destruição. Assassinaram 3 mil pessoas e perderam a razão.

Phillippe Petit, também louco, preferiu outra direção. Para conquistar as torres, misturou criatividade, genialidade e muita coragem. Atacou-as no cair da noite e presenteou o planeta ao amanhecer.

Guerras e tragédias mudam o mundo. A Arte também.

Quando os cinco continentes ficaram atônitos com o atentado de 11 de setembro, Bin Laden deixou vazar um vídeo de longos minutos, um blablabla terrível, explicando o ataque e justificando tantas mortes.

A diferença entre a Guerra e a Arte é que, na primeira, há milhões de argumentos e desculpas, mas ninguém tem razão.

A Arte não precisa de explicação. Não tem motivo para existir. Ela apenas existe.

Perguntado, no camburão, por um repórter: "Why? Why did you do it?", Petit respondeu "There is no why!"

A Arte não tem porquê.

3 comentários:

jose luis disse...

quando eu olhei pra baixo do alto da torre do WTC a imagem dos carros passando pequininhos la' embaixo lembrava as imagens dos filmes dos anos 50 feitas do alto do Empire States

valmir disse...

Vc questiona: O que tem mais impacto sobre a vida das pessoas? A união ou a separação? Estamos mais sujeitos a valorizar grandes tragédias do que belas poesias. Mas, por quê? Acho que a resposta vem dessa tentativa do homem de se fazer marcante, de tirar ao invés de compor, de derrubar ao invés de unir, de matar ao invés de criar. Meramente uma questão de escolha. Escolha, quase sempre, errada. abração, vm

André B. disse...

Zé,

Também achei fascinante a experiência de estar no topo de algo tão alto construído pelo homem! A experiência, como você bem frisou, é hollywoodiana!!

((E a própria destruição das torres era o sonho secreto de hollywood, não acha?))

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Valmir,

Acho que o homem se choca mais com grandes destruições mesmo. A destruição, por ser ameaça imediata, tem mais apelo ao ser humano, que, no inconsciente, percebe a possibilidade da própria extinção.

Perceber a beleza da poesia e da genialidade é algo que requer um pouco mais de esforço.

grande abraço