sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Explosão, intervalo e censura

Hoje fiz besteira no trabalho.

Nada grave.

Aliás, todo mundo que trabalha com texto pra televisão está arriscado a escrever uma asneira para telespectadores do Brasil inteiro.

Alguns erros de informação passam pela nossa revisão. Mas, hoje, o problema não foi propriamente um erro.

Na TV, muito se diz sobre o casamento entre texto e imagem.

Texto e imagem precisam se complementar para formar uma idéia. Ou precisam se relacionar, mesmo de modo incomum, para produzir algum sentido.

Hoje, uma idéia ruim e mal executada culminou em algo bizarro, totalmente nonsense.

Atribuo o fracasso ao não-cumprimento de uma regra básica da cartilha do texto criativo: "Explosão, Intervalo e Censura".
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O texto dizia: "O destino faz farra! Depois do sorteio dos grupos da Liga dos Campeões, Kaká vai ter que entrentar logo o ex-clube, o Milan, onde se consagrou!"

No trecho "O destino faz farra", cobri com a seguinte imagem: duas mãos controlando uma marionete, onde se via apenas o close dos dedos, as duas palmas e as cordinhas, mas não os fantoches.

Minha intenção era passar a seguinte mensagem: "O destino é um brincalhão! Mexe conosco como se fossemos bonequinhos. Botou o Kaká para enfrentar justamente o ex-clube! Que ironia!"

Pois não consegui. Foi ao ar uma mensagem indecifrável, nonsense mesmo, digna de risadas e da exclamação do chefe: "Que imagem era aquela, André?"

Que raios eram aqueles dedos toscos seguidos pela cena do Kaká com a camisa do Real Madrid?

Restou-me concordar e admitir que não ficou claro.
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Fugir do lugar-comum, das idéias fáceis e dos textos que vêm automaticamente à cabeça requer esforço. Porém, o processo criativo, necessariamente, precisa de três etapas: "explosão, intervalo e censura".

1- Explosão: Permita-se pensar nas idéias mais esdrúxulas, sem contê-las. Até as que pareçam mais estranhas. Este fluxo costuma ser arrebatador, e em geral provoca, também, grande empolgação. Tudo deve ir para o papel, sem julgamentos, sem filtros.

2- Intervalo: Espere alguns minutos, de preferência fazendo outra coisa. Nada de pensar no texto. Isso é necessário para separar o Eu-criativo do Eu-censor. Como comer gengibre no restaurante japonês para neutralizar o sabor do peixe e preparar o paladar para o próximo.
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3- Censura: É hora de reler o texto. Ver se a imaginação não teve asas demais. Ver se não ficou "over", se vai ser compreendido pelo leitor ou telespectador. Constatar se a idéia em estado bruto não era politicamente incorreta, de mau-gosto ou ofensiva para alguém. É hora da avaliação geral, que pode incluir fazer o que todo escritor odeia: jogar fora uma boa idéia.

Se a pessoa não se permite ter idéias bacanas, vai escrever um texto burocrático, funcional, acomodado e sem sal.

Se ela não passar pelo estágio de revisar as próprias idéias, corre o risco de exagerar, de errar a mão.

Hoje, meu pecado foi o segundo. Por causa da correria, não tive tempo de fazer essa auto-crítica. E o que foi ao ar foram imagens mais pertinentes no imaginário do André do que no mundo real.

Adaptando um clichê a este contexto, aconselho:

Para não deixar que um sonho vire realidade (pelo menos o sonho no seu sentido mais livre e delirante), não fuja à regra: Primeiro deixe tudo vir à tona. Espere. E censure.

5 comentários:

Anônimo disse...

Andre,
Parabéns pela auto-critíca. A capacidade de reconhecer os próprios erros e aprender com eles, te faz uma pessoa especial.
Papis

valmir disse...

Já imprimi essas dicas de etapas do processo criativo. Nunca é tarde pra relembrar.

André B. disse...

Valeu, pai!
Aprendendo e vivendo.

Valeu, Valmir.
Você não precisa de manual de usuário. Mas valeu pela força!

abração

Afo disse...

Pedir pra um coleguinha ler é uma etapa importante também.
Os erros estão lá todos os dias.
Mas seu chefe tem razão, como sempre.
Aliás, fiquei sabendo que nesse dia você nem fez uso dos conhecimentos adquiridos na EBJ.
bjs

Marcos disse...

Belo post.
Grande abraço.