domingo, 23 de agosto de 2009

Repetir e repetir


- Obrigado por ligar para o serviço de atendimento ao cliente TIM, Janusa na linha. Essa convesa está sendo gravada para sua própia segurança. em que posso ajudar?
...
- A TIM agradece a sua ligação, uma boa tarde!

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- Obrigado por ligar para o serviço de atendimento ao cliente TIM, Janusa na linha. Essa convesa está sendo gravada para sua própia segurança. em que posso ajudar?
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- A TIM agradece a sua ligação, uma boa tarde!

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- Obrigado por ligar para o serviço de atendimento ao cliente TIM, Janusa na linha. Essa convesa está sendo gravada para sua própia segurança. em que posso ajudar?
...
- A TIM agradece a sua ligação, uma boa tarde!

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Repetir. Repetir. Repetir. Repetir. E repetir. E repetir. E repetir. De segunda a domingo. Repetir. Repetir. E repetir. De nove às dezoito. Repetir e repetir.

Algumas profissões são vítimas do sequestro da inspiração. Não é permitido pensar, não é permitido criar nada. Nada de improviso, só vale seguir as regras. E repetir. E repetir.

São pessoas por acaso. Fossem máquinas, daria no mesmo.

Como deve ser gigantesca a frustração dessa gente que trabalha repetindo palavras.

A rotina já é insuportável para muitos.

A rotina dentro da rotina deve ser algo enlouquecedor.

Pessoas que trabalham no telemarketing, pessoas que atendem nos guichês de banco, nos caixas de lanchonetes.

Quantas vezes ao dia uma caixa de supermercado deve dizer "bom dia" e "boa tarde"? Para saudar e para se despedir.

E o ascensorista, quantas vezes deve dizer "desce" e "sobe" a cada expediente? Talvez umas 300?

Quando eu era adolescente, jogando um jogo de computador, aprendi um termo para designar algo que já tinha percebido fazia tempo:

"Saciação semântica"

Nada mais é do que repetir uma mesma palavras tantas vezes até que ela pare de fazer sentido.

Toda criança já brincou disso.

Se não brincou, podemos tentar agora.

Vamos repetir a palavra caneta em voz alta, de forma sonora, pronunciando cada sílaba.

Não dá pra escapar. Chega um momento em que CA-NE-TA não quer dizer nada a não ser três fonemas colados um no outro, aleatoriamente, sem propósito.

Quando esgotamos o sentido de um vocábulo através da repetição, surgem os questionamentos mais filosóficos:

- Quando é que caneta passou a designar um objeto que escreve? Por que? E como é que eu passei minha vida inteira aceitando o sentido da palavra CANETA, sem perceber seu vazio de significado, sem estranhar esse obscuro encontro de letras?

A repetição é inimiga da sensibilidade. É como as mãos calejadas e embrutecidas do camponês cansado de arar a terra.

A palavra, repetida, perde sua única função: Transmitir significado.

Repetida, não vale nada. Não tem sentido. Nada mais é do que uma maçaroca sonora soprada ao vento.

E é por isso que temo pelas pessoas que ficam escravas da rotina falada.

"Boa tarde, posso ajudar, boa noite, obrigado por ligar, bom dia!"

Faladas tantas vezes, não querem mais dizer nada.

Quantas horas por dia a funcionária do supermercado passa repetindo e repetindo?

Vivem o vazio todos os dias, todos os minutos.

No vácuo das palavras repetidas, temo, perdem também o sentido das próprias vidas.

3 comentários:

valmir disse...

Não só temo pelas pessoas das palavras repetidas, mas tb pelas pessoas de ações repetidas. As que passam todas as horas úteis de seu trabalho tendo que apertar o mesmo botão da fábrica, o mesmo parafuso na ferragem, o mesmo entra e sai de mercadorias dentro de uma caixa de papelão. E essas nem têm tempo de dizer ‘bom dia’, porque precisam cumprir prazos.

Fernando Burgés disse...

Hah! Muito boa essa! Ca-ne-ta!
e eu sei muito bem o que é a repetição desenfrada de "formas de atendimento"...
já trabalhei com isso, e atrofia o cerébro...

Rach disse...

essas pessoas têm escolha?

ca-ne-ta, ca-ne-ta, ca-ne-ta...é, dé, é a semiótica.