quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Número 881

Estico a mão e apanho um papelzinho.

Tenho meu número de senha na mão: 881.

Espero um pouco e acende a luz do mostrador digital;

881. É a minha vez.

Estou no caixa do banco pagando contas e depositando cheques. Uma ação nada prazerosa, tão monótona quanto uma fila silenciosa, burocrática como a função do bancário que senta atrás do guichê, contando dinheiro e passando recibos o dia inteiro.

Nada contra a profissão. É tão digna quanto qualquer outra. E muito necessária também.

Apenas o ambiente do banco é maçante, chato demais.

E não é que essa apetitosa rotina dos bancos foi incorporada por alguns restaurantes?

Quem será que teve a brilhante idéia de associar o enfado bancário ao ramo gastronômico? Certamente, não entende nada sobre o inconsciente humano!

Pois há vários restaurantes de comida rápida que já adotam o esquema de senhas para atender os clientes. Claro, tudo em nome da organização!

Mas não bastasse o processo dos numerozinhos, os estabelecimentos estão usando, também, o tal painel eletrônico para chamar o freguês.

Não sei qual a opinião de vocês, mas eu bato o olho naquele negócio e penso: "Banco! Fila! Chatice! Mau-humor!"

Perdi o apetite.

Por que será que o homem abre mão da sua sensibilidade em nome do pragmatismo? Será que, por mais que o esquema de senhas funcione bem, o cara não percebeu que aquilo remete a um universo chatíssimo?
.
E logo no ramo de restaurantes e alimentos, onde as mensagens subliminares são conhecidas por atiçar as pessoas.

Por exemplo, dizem que a cor vermelha é excelente para lanchonetes, comidas e bebidas. Estimulam a gula. Será que Coca-cola e McDonalds são líderes de mercado por acaso?

Enquanto Coke e Mc vendem como nunca, algumas lojas estão aí vinculando suas marcas ao tédio bancário.

No restaurante das senhas, provavelmente o atendimento seria assim:

-Próximo! - grita o funcionário.

(já perceberam como a palavra mais burocrática da língua portuguesa deve ser esse tal "próximoooo", que gritam os que trabalham em caixas e guichês? A palavra é repetida várias vezes por dia, sem ênfase e sem vida, automática como a voz dos caixas eletrônicos).

- Sou eu! Número 881!

- O que o senhor vai querer?

- Eu? Uma comida bem burocrática! Arroz, feijão e carne. Tudo sem tempero e sem sal. E bastante chuchu, por favor.

- Ok. Alguma bebida?

- Água. Água pura da montanha. Inodora, incolor e insossa.

- Ok. Sobremesa?

- Sim. Gelatina sem açúcar.

- Ok. 12 reais e 34 centavos.

- Tudo bem. Aqui estão as moedinhas. Centavo por centavo.

- É só aguardar, senhor. Obrigado por escolher jantar aqui. Número 882! Próximooooo!

6 comentários:

Fernando Burgés disse...

hah!! Muito boa essa!
Realmente, esse lance de senha, com direito a "próóóximo", na hora de comer também é foda!
É o homem mostrando que seu cérebro está vendo a vida em sistema binário, que nem os cpus!
Nunca me esqueço daquele seu post sobre as filas do Outback. Acho que desde então nunca mais entrei numa!

Anônimo disse...

Me lembro do André na Puc, numa fila quilométrica para entrar no restaurante a quilo, dizendo:'a gente não é boi para estar em fila indiana para esperar a ração'...hahaha...muita revolta.

mmy disse...

isso mesmo, querido Touro.Qdo o li o post ,lembrei das filas na pizzaria Braz perto de casa.Parece até que as pessoas preferem ficar esperando na fila do que comer a pizza...estranho,né?

André B. disse...

Que fofinha é a minha família!

valmir disse...

Cara, tem um consultório dentário de um amigo meu que agora é assim tb, na base dos números. Não somos mais pacientes, somos meros números num letreiro luminoso que pisca até que o dentista tenha o doente ao seu alcance. Antes era ‘senhor fulano, pode entrar’. Agora é “numero 458, sua vez”. Levei essa discussão a ele, mas ganhei como resposta 'ah, é por uma questão de praticidade'. Vai entender... rs

André B. disse...

É foda, né cara?

Se quiséssemos ir fundo na questão e levantar os "subtextos" da numeração do ser humano, basta fazer a analogia com os presidiários de Auschwitz.

Cada um tinha nos braços a tatuagem do número de identificação.

Na minha opinião, embora pareça radical, a diminuição do ser humano em nome de um pragmatismo e uma "eficiência" idealizada estão presentes no Nazismo, nos bancos, nos restaurantes, nos consultórios de dentista...