Daqueles vícios que não se abandonam nem por um segundo. Fissurado mesmo.
No século 18, um lorde europeu não tinha mesmo muito o que fazer. Trabalhar estava fora de cogitação. Viajar o mundo era uma boa opção, coisa que John Montagu fez bastante.
Mas como passar o tempo livre em casa? Jogando cartas.
O conde só parava para ir ao banheiro. E queria encontrar uma maneira de não interromper a jogatina nem para comer.
- Criado, estou com fome! Traga-me algo, rápido! Não quero parar o jogo nem por um minuto!
- Mas como o senhor vai comer enquanto joga?
- Dá seu jeito!
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Foi aí que o criado pegou dois pães e lançou uma fatia de carne no meio. Estava inventado o sanduíche! Rumores dão conta que o Conde de Sandwich nunca mais jantou uma refeição tradicional.
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E é o sobre o sanduíche, e sobre essa intimidade de pegá-lo com as mãos, que quero escrever hoje!
Faz poucos minutos, fui ao shopping e comi numa lanchonete. Como se diz aqui no Rio, "casa de sucos".
Por que essa opção? Pela mesma razão que fascinava o Conde de Sandwich ontem, e continua seduzindo as pessoas hoje em dia.
Fast-food. Comer rápido.
Às vezes, você só quer uma refeição saborosa que não gaste muito tempo. Mal sabia o nobre inglês que seria responsável por popularizar uma das maiores febres do século XX.
Viciado no baralho, ele se alimentava enquanto tinha as mãos livres para se divertir. Hoje, escravos da velocidade cotidiana que somos, submissos aos mandos do relógio, comemos rápido para voltar ao trabalho. Comemos sanduíche para continuar folheando um jornal ou manuseando o celular.
É um hábito meio nojento. Mas não me espanta, dado que, na sua origem, lá na Inglaterra dos anos 1700, a higiene não era um dos valores mais cultuados.
(Quem não se lembra do filme Carlota Joaquina, que retratava a corte portuguesa de D. João VI, comendo frango com as mãos engorduradas, que já vinham sujas desde sabe-se lá quando? Alguns hábitos de limpeza eram impensáveis para nobres europeus.)
Mas é exatamente por essa origem tosca, suja, apressada, engordurada, com molho escorrendo pelas beiradas, é que faço uma 'Ode ao sanduíche'.
Esta iguaria é para ser consumida exatamente como nos tempos em que foi inventada! Com as mãos!
Por isso, fico raivoso quando me entregam talheres na bandeja do sanduba! Acho hipócritas as pessoas que fatiam-no com garfo e faca!
Sanduíche não comporta frescura! Há um grito primitivo dentro de cada um de nós que sente prazer em manusear a comida. Deve ser herança dos nossos ancestrais nas cavernas!
Eu, por exemplo, acho que pizza tem um sabor quando se come com talheres... e outro totalmente diferente quando se devora enrolada no papel toalha, encharcada de óleo, esticando o queijo ao seu limite com a boca.
Tocar a comida com as mãos pressupõe intimidade, remete à sensação de sobrevivência.
Claro que nunca faremos isso com arroz e feijão. Mas quando o lanche pode ser tocado
diretamente com os dedos, pra que intermediários??
Naqueles almoços de família, quando chegamos cheios de fome, o aperitivo de pãozinho com azeite ou pasta de atum é muito mais gostoso que a refeição propriamente dita. Vai dizer que você nunca teve essa sensação?
Naqueles almoços de família, quando chegamos cheios de fome, o aperitivo de pãozinho com azeite ou pasta de atum é muito mais gostoso que a refeição propriamente dita. Vai dizer que você nunca teve essa sensação?
E não é apenas pelo sabor do petisco. A sensação boa se deve ao contexto inteiro. Os paezinhos, você ataca com voracidade, sem se preocupar muito com a boa educação. É um costume informal, onde estão presentes o instinto e o improviso. Todos vão petiscando enquanto estão conversando. É algo informal e prazeroso. E, antes de tudo: é um hábito que se realiza com as mãos!
Na hora da refeição, é diferente. O barulhinho dos talheres metálicos tocando os pratos vão fazendo uma sinfonia. É o som de um ritual super formal, quase ensaiado, pouco espontâneo. Claro que o aperitivo de 30 minutos atrás estava muito mais gostoso!
Por tudo isso, pego sempre meu sanduíche com as mãos! Esta é minha homenagem ao ritual autêntico daquele nobre inglês.
Mas graças ao Século XX, que deixou alguns bons legados, as lavo bem antes... e depois.
Disso, não abro mão.
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