terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Mendigo e dignidade

O post abaixo conta duas histórias bem-humoradas sobre pessoas que têm seu ganha-pão nas ruas.

Este aqui, contudo, não visa a provocar risadas. Pelo contrário. Escrevo para refletir sobre algo que aconteceu há poucos dias.

Na minha rua tem um mendigo. De aparência bem tradicional, fácil de imaginar. Barba grisalha, cabelos ficando brancos, dentes ruins. Silencioso, sentado na calçada. Aspecto surrado, parece ter uns 50 anos, embora seja comum que essas pessoas aparentem ter mais idade do que têm realmente.

Toda vez, eu e MClara passávamos por ele também em silêncio. Ele não nos chamava, não nos incomodava. Nós também não dirigíamos a palavra.

Mas isso fazia mal a MClara. Ela sempre me dizia "Vamos falar com ele". Eu ficava com medo de invadir a 'bolha' dele. Na verdade, tinha medo de me dirigir a alguém cuja reação seria imprevisível. Tinha medo de que ele estivesse ficando louco, como tantos outros, e que eu pudesse despertar nele um rompante agressivo ou desmedido.

(No meu íntimo, no entanto, eu me angustiava e me punia: como podemos chegar ao ponto de temer falar com outro ser humano?)

Um dia, cheguei em casa sozinho e o vi na calçada. Ele vendia doces, coisa que fazia com frequência, aliás. Talvez para não ficar na simples mendicância, talvez para tentar, naquele gesto, segurar o fio de dignidade que restava.

Abri meu porta-malas e tirei algumas roupas velhas. Me dirigi a ele.

- Oba. Tudo bem? Aqui tem algumas roupas pro senhor.
(sorriso) - Pra mim? Mas tem certeza, tem certeza que não vai fazer falta?
- Não, não. É meu presente pro senhor. O senhor aceita?
- Ah, claro! Mas não vai fazer falta mesmo, né? Ah, muito obrigado. Obrigado mesmo.
- Qual é seu nome?
- Meu nome é José... José Wellington.

Não sei quanto tempo fazia que alguém tinha perguntado o nome dele pela última vez. Talvez seja pretensão minha achar que pouca gente tinha feito o gesto que, finalmente, tive coragem de fazer. Mas, para mim, não interessava.
A pergunta que me arrebatava naquele momento, enquanto me distanciava dele, era por que eu tinha demorado tanto para falar com aquele ser-humano?
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Poucos dias depois, eu e MClara descemos ao térreo e fomos entrando no carro. José Wellington estava na calçada, com uma caixa de chocolate na mão. Chocolate com recheio de morango.

Nós o saudamos. Ele nos disse olá de volta, e mostrou a caixa. Eu disse que não queria comprar. Ele disse, "Não, pode levar. É meu presente pra você."

Levamos a caixa de chocolate com morango. Eu que, pouco tempo atrás, nem lhe dava o direito à palavra. Agora tinha ganho das mãos dele um presente. Presente das mãos de um ser-humano digno de existir, conversar e presentear outras pessoas.

Obrigado, José Wellington.
O presente maior é doce e prazeroso como o chocolate.
O presente maior é tirar esse ranço amargo e repulsivo da boca.
Amargura de quem, por vezes, não sabe reconhecer um semelhante.

Carona pro mendigo

Uma das histórias que mais causam risos à minha irmã é a "de quando dei carona a um mendigo".

Mendigo nas palavras dela. Na realidade, era um vendedor de rua, tinha seus trinta e poucos anos.

É verdade que a história tem sua dose de humor. Parei o carro no sinal, e o cara me abordou:

- Fala, Fiel! Vai levar aquele chocolate pra me ajudar?
- Pô, não vou não, cara!
- Ah, é você né? Outro dia mesmo você passou por aqui e comprou um!
- Isso mesmo, mas hoje não vou levar não. Não tô a fim e...
- Ah, leva sim, fiel! É o último! O último pra eu poder ir embora pra casa.
- Beleza, você me convenceu. Toma aí. Dois reais? Toma aí!
- Valeu fiel! Agora acabou, posso ir embora... Escuta: pra onde você tá indo, hein?
(Não acredito) - Cara, tô indo pra aqui pertinho, pra Botafogo.
-Ih, demorou então de me dar um bonde até ali na frente, na ladeira da Macedo Sobrinho? Já é?
(Putz...) - Er... Bem, vamos nessa. Sobe aí.

Acaba que eu levei o cara até dois quarteirões adiante. Pensando nisso agora, tenho até um certo orgulho. Qual é o problema de botar um desconhecido no carro? A gente fica cheio de melindres, de não-me-toques. Só levei o cara até ali em frente e não teve problema nenhum...

Por outro lado, quem é que coloca um desconhecido no carro? Pode ser perigoso, é arriscado. Não sabia se o cara era assaltante, traficante, maníaco.

Enfim, tive menos de dois segundos pra pensar na proposta dele. Um "não" seria mal-educado demais, não sei se eu seria capaz de recusar um auto-convite tão direto. Mas o "sim" também me soou exagerado. Afinal, o cara demonstrou índice baixíssimo de 'semancol'.

No fim das contas, a história rendeu apenas dois quarteirões de um bate-papo inusitado, sobre como todo mundo que vende balas ali é da família dele. E, verdade seja dita, ele não exalava um dos melhores odores. Pudera, o dia inteiro debaixo daquele sol.
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Essa minha mania de virar camarada dos malandros de rua.
Tinha um que era guardador de carros perto da praia. Flanelinha. Eu brincava com meus amigos que era meu Valet-parking.

Seu nome era Fabiano, mas o apelido que era mais legal: Braço.

Invenção dele. Mas o apelido era meu e dele, na verdade.

Em todos os diálogos, nos chamávamos assim.

"E aí, Braço? Beleza? Tem vaga hoje?"
"Tem sim, Braço! Chega mais, bota o carro ali."
"Valeu, Braço!"

Interessante também foi quando confessou, com linguajar folclórico (e um pouco grosseiro), um dos problemas que mais o agustiavam: A traição da esposa.

"Pô, Braço. Não tá fácil ganhar a vida aqui não. Eu fico ralando aqui nesse calor o dia inteiro e não tiro muita coisa. E minha mulher só fica recramano, recramano. Por que ela não vem aqui trabalhar? E o pior? Enquanto eu tô aqui, tem vagabundo lá com ela, machucando. Machucano, machucano ela, que eu sei!"

Back in the USSR

A primeira vez que Paul McCartney se apresentou em Moscou foi em 2003. E pensar que ele começou a fazer sucesso em 1960.

Um fã que gostasse dos Beatles quando era garoto, e nunca tenha saído da Rússia, teria que esperar 43 anos para ver um show do ídolo.

Imagino o significado deste show para esse menino fictício. Além da longa espera, os jovens da década de 60 corriam o risco de ser presos fossem flagrados ouvindo os Beatles.

Os rebeldes de Liverpool eram considerados "vozes da liberdade", e, porque não, da subversão ao comunismo fechado da União Soviética.

Isso tudo é mostrado no documentário da A&E, de 2003. Com foco principal na turnê de McCartney na capital russa, há também todas essas histórias paralelas.

Como a do rapaz, 4 décadas depois, mostrando uma foto da banda inglesa rasgada clandestinamente de uma revista. Detalhe: ele não sabia quem era Lennon e quem era Mc Cartney.

Mas o mais impressionante é o drible na censura utilizado por jovens para ouvir os discos do quarteto. Usavam velhas chapas de Raio-x para fabricar cópias ilegais dos LPs (você sabia que dava pra fazer isso? Eu nunca tinha ouvido falar que era possível).

Assim, evitavam dar bandeira aos inspetores do governo. E não gastavam com os originais, que custavam o salário de um mês inteiro em Moscou.
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Ouviam os discos no Raio-x.

Raio-x, usado para conseguir enxergar o que está invisível, sem precisar abrir, rasgar, furar.

Raio-x, revelando a eles os ventos do mundo externo, sem que precisassem viajar, romper a bolha da cortina de ferro.
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Raio-x, expondo as entranhas hipócritas da ditadura soviética, que sufocava a arte externa como se isso impedisse que cidadãos tivessem acesso à música e à ideologia de outras nações.

Ditadura. Comunista ou capitalista, todas são muito, muito parecidas.

Em qualquer uma delas, a proibição só aguça a sede do povo por aquilo que é proibido.

Quando se consegue o fruto da árvore, o sabor é ainda mais doce. E o valor da conquista é inestimável.

Por isso, o frenesi da multidão cantando o refrão "Back in the USSR", mesmo que Paul nunca tivesse estado lá. Nunca fisicamente, nunca com permissão.

Mas ele estava de volta, tão presente como sempre esteve.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Foto-verso

Qual vai ser?

Amor?

ou açúcar?

Sabe com quem está falando?

O Brasil tem esse vício.
Vício nojento, de resolver alguns problemas com a célebre frase: "Sabe com quem está falando?"

Claro, a frase tem substitutas e variações:
"Sabe quem é meu pai?", "Sabe que eu sou importante, né?", "Sabia que eu posso te demitir?"

Nossa tradição de coronelismo, jeitinhos e improvisos levou ao senso comum de que há pessoas acima da lei.

Tudo isso muito reprovável.

Mas o brasileiro, como poucos, também tem capacidade de burlar os próprios clichês e fazer graça das próprias mazelas. E o hábito nefasto até que rendeu uma história bem engraçada.

Há testemunhas. Vivas.

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Um bar chique no Jardim Botânico, uns 2 anos atrás.

Numa mesa, dois camaradas fechavam a conta. Na hora de dividí-la, começaram a discutir. Parecia que era brincadeira no início, mas a coisa foi ficando séria:

- Cara, eu não vou pagar essa parte não! Não bebi 10 chopes!
- Vai sim! Eu não vou pagar a tua parte!
- Mermão, tá maluco! Tira a mão de mim! Fala mas não toca!
- Coé, rapá! Fica tranquilo! Tá esquentadinho!

Eis que uma mulher se levantou de uma mesa próxima e, visivelmente alcoolizada, foi chegando perto dos brigões:

- Olha aqui, vamos parar com essa briga que tá incomodando todo mundo!
- Ô velha! Sai daqui, fica na sua. Não se mete que isso não tem nada a ver contigo!
- Tem a ver comigo sim! Vocês tão brigando, gritando! O negócio é o seguinte! Vão pagar essa conta agora! Não me importa se vocês vão dividir, se não vão!! Vocês vão é pagar agora, AGORA, e dar o fora daqui!!! Você sabe com quem está falando??? Eu sou a dona disso aqui, DONA!! Se não pagarem vou chamar a polícia!! Vou ligar agora!

Os dois ficaram chocados. A agressividade cessou. Em silêncio, pagaram a conta e a mulher foi voltando bem devagar para a mesa dela.

Quando os dois saíram, outros clientes que presenciaram a cena perguntaram para a mulher.

-Mas você é a dona daqui mesmo?

(Gole na cerveja) - Dona é o c...., É claro que não!!!

Êeeeeeeeeeê!!! A mulher foi ovacionada por todos.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Takanakuy

Convido vocês a digitar uma palavrinha no youtube: Takanakuy

Pode ser agora. Fiquem à vontade pra abrir outra janela do Explorer antes de ler este post. Mas também dá pra continuar lendo sem fazer isso, ok?

Takanakuy significa, no dialeto quenchua, de Cuzco, "Quando o sangue ferve".

Trata-se do seguinte: Adultos e mulheres de saias rodadas e coloridas chegam a uma praça pública dançando e cantando. Alguns usam máscaras e fantasias. As crianças também vão.

Uma típica parada de carnaval, não fosse um detalhe: o objetivo final da festa é... porrada!

Dois a dois, os habitantes da comunidade se enfrentam com chutes e socos.

Homem vs homem.
Mulher vs mulher.
E até criança contra criança! É verdade!

Um ritual, ironicamente, realizado todo dia 25 de dezembro. Um clima, assim, bem papai-noel!

Esta é a forma que o povoado Chumbivilca, no Peru, encontrou para desafogar angústias, canalizar a raiva e resolver pendengas pessoais.

Uma tradição para defender a honra, a reputação e o orgulho da família. É um hábito também inspirado pela descrença no sistema judiciário, considerado incapaz de fazer o que deveria.

Assim, a sociedade dá a cada cidadão apenas uma chance, só uma, de resolver suas diferenças com outro membro da comunidade. A arena de luta. Saiu dali, todos seguem obedecendo as regrinhas do dia-a-dia.

É bom ressaltar que há um juiz para impedir que as pessoas se matem no processo.
A aprovação popular à prática é de quase 100%. Quase todos saem de alma lavada!

E aí? A questão está lançada? O método é válido, funciona?

Isso estimula a violência, passando a idéia de que não há problema em espancar alguém?

Ou, pelo contrário, isso contribui para uma sociedade mais pacífica, já que há hora e lugar para deixar aflorar a raiva e agressividade, inata a qualquer um de nós?

Peço para vocês gastarem 3 segundinhos e darem a opinião de vocês na enquete ali no alto, à direita da tela. É só clicar (tomara que o contador de votos funcione!)
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Com um assunto polêmico desses, fiquei curioso para ler as opiniões gerais e ver como vai ficar a votação. Daqui a alguns dias, podemos voltar a falar dele.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Melancia pensa?

Ícone Pop do bizarrismo nacional, a Mulher Melancia enveredou para a carreira musical.


No primeiro lançamento, há uma música para as "mulheres invejosas". O refrão é o seguinte:

"Eu sou muito boazinha te ensinando, não esquece: quanto mais falar de mim, mais a minha bunda cresce!
Vamos ler de novo a frase. Bem devagar: "Quanto mais falar de mim, mais a minha bunda cresce."

Isso é para ser bom? As mulheres devem invejar isso? Eu tô ficando maluco?

Vamos adotar um recurso estilo filme-pastelão. Alguém fala alguma frase absurda e, na cena seguinte, aparece a cena literal, fictícia, acontecendo.

O imagem da bunda dela crescendo, ainda por cima como sinônimo de algo bom, é algo escabroso, assustador e hilariante!

Se algum cientista fizer, um dia, esse experimento, por favor me diga o resultado: Qual é o QI de uma melancia?

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Foto-verso


Esperando

tempo demais

uma vida inteira

pelo lance decisivo.

Cérebro de McPaçoca

- Boa noite
- Boa noite. Qual é a diferença do Mc Sundae para o Top Sundae?
- O Top é maior e vem com paçoca.
- Ok. Quero um Top Sundae, mas por favor, tira a paçoca e põe castanha, tá?
- Infelizmente, não podemos senhor.
- O que?
- Não podemos.
- Por que? Que diferença faz?
- É que a gente estaria "alterando o produto!"

--------Teletransporte imaginário para o Bob´s------

-Boa noite! Quero meu hamburguer com meia carne, bem esturricada, com queijo, geléia, molho rosé e calda de caramelo.
- Claro, senhor. Batata -frita com baunilha pra acompanhar, né?

------Volta ao diálogo no McDonald´s------

- Alterando o produto? Mas e pedir Big Mac sem cebola, pode?
- Pode.
- Isto não é alterar o produto?
- Não, isso é retirar um ingrediente. O cliente não é obrigado a comer cebola se não gosta.
- E eu não gosto de paçoca. Gosto de Castanha.
- Mas nosso cardápio não oferece Top Sundae com castanha. Não dá pra trocar.
(pausa para breve reflexão)
- E se eu pedir um hambuguer sem carne. Pode? (Agora tirei onda!)
- Pode.
- Pode??? Tá brincando comigo!
- Pode. Tem cliente que pede o Mc Tasty só com pão e queijo.
- Não vai ter jeito, então? Não vou ter meu Top Sundae com castanha?
- Infelizmente não, senhor.
(respiro fundo)
- Agora, esquece o Mc Donalds, tá? Na sua opinião pessoal: você acha certo isso? Eu não poder trocar um tanto de paçoca por míseras castanhas?
- Er... bem. (Hesita). Acho certo sim, pois afinal, não tem no cardápio né?
- Ok. Obrigado. Tchau.
- Obrigada, senhor. Volte sempre!
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Engoli em seco. Segurei até chegar em casa. Agora, um desabafo vulcânico:

Primeiro, pára com essa idiotice de ficar usando formalidades falsas! "Senhor", "volte sempre", etc e tal. Não troca a droga da minha paçoca e fica me tratando como se o cliente sempre tivesse razão. Hipocrisia irrita muito!

Segundo: deixa eu ver se eu entendi bem. Se for pra tirar algo do meu lanche, aí o produto não está "sendo alterado". E se for pra trocar um ingrediente, aí é o fim do mundo? É isso mesmo?

É que nem a cotação do dólar, o câmbio que eu vou pagar é sempre o mais caro. Como diz Fernando Caruso, existem turismo, paralelo, comercial, e a minha é sempre aquela em que o cliente sifu. Existe o valor de compra e venda. Se eu quero vender, mifu. Se eu quero comprar, veja você, mifu de novo!

É pra levar ao pé da letra? Ok, então eu quero um produto EXATAMENTE IGUAL ao que está nesta foto do mostruário! Igual mesmo, tamanho inclusive! Gigante!

Na verdade, o McDonalds usa conceitos de venda da época em que foi criado, num Estados Unidos com a hegemonia capitalista mundial. "My way or the highway". Não gostou? Exploda! Se você não comer aqui tenho um bando de "super-size-me" que vai comer.

Hoje, a banda toca um pouco diferente. O slogan do Burger King, por exemplo, é "faça do seu jeito".

A tendência mundial é a segmentação: Internet, tv digital, canais da Net, celulares, comidas. "Quero um site para comprar turbantes paquistaneses feitos de linho" - Google: 32 opções encontradas.

Bom ou ruim, não há mais espaço para imposições e intransigência no setor de serviço e comércio. Ou me vende como eu quero ou vou comprar no concorrente.

Ah, é bom registar também: Este diálogo que abre o post aconteceu hoje pela... décima vez! Toda vez que vou ao MC me faço de desentendido e peço pra fazer a troca. É a tática de guerrilha, que já se provou tão eficiente contra os EUA (e tudo aquilo o que ele representa) nos anos 60.

Apesar de ter me irritado muito, a atendente, obviamente, não é a culpada pela estupidez. A culpa, é lógico, é do chefe dela, o Ronald McDonald.

Decifrando o tempo

"Este ano voou!"

Um tremendo clichê. Todo mundo fala isso.

O lado triste é: todo mundo fala porque sente isso de verdade.

Sim, o Reveillon passado, de fato, parece ter sido ontem. Aposto que você se lembra de detalhes da sua roupa, ou de como estava o seu estado de espírito naquelas horas antes da virada.

Mas todo clichê, se bem aproveitado, rende uma boa reflexão. Afinal, dizer clichês é fácil e automático. Para desviar deles, é preciso queimar a mufa.

Tentemos entender o porquê de o tempo estar passando tão rápido.
Existem as teorias à moda "Cientistas da NASA": a Terra está desequilibrada e girando mais rápido, logo, dias e noites passam mais rápido. (Balela, já que o Cosmos esqueceu de combinar esse plano com os ponteiros dos relógios, que continuam registrando 24 horas todos os dias).

Há também a explicação vazia: "Ah, o tempo passa mais rápido porque a gente tá ficando velho".

Ok, mas como 'ficar velho' explica 'o tempo passar rápido'? Ainda não foi uma explicação boa o suficiente pra mim.

Jornalistas têm dificuldade com matemática, é notório. Mas eis que Arthur Dapieve, um jornalista, elucidou, MATEMATICAMENTE, a questão do tempo hoje de manhã.
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Na coluna dele do O Globo, escreveu simplesmente o seguinte: "É uma questão de escala. Os anos vão se tornando frações menores das nossas vidas. No começo do ensino fundamental, cada ano correspondia a 1/5 da existência inteira. Na faculdade, um ano significa 1/21".
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Valeu, Dapieve! Entendi finalmente porque, de fato, o tempo passou muito mais rápido em 2008. Representou um-vinte e oito avos da minha vida. Olhando de longe, apenas uma janelinha de um trem comprido.

Quando éramos crianças, havia apenas um vagão. As janelas eram poucas, grandes, e dava pra observar cada detalhe da criança brincando atrás do vidro.
Não é preciso saber E=MC2 para decifrar o tempo. Só sensibilidade.

Constatação


Por que será que, de todos os carros que fazem questão de tirar um fino dos ciclistas que andam do lado direito da pista, 90% são taxis?

Será que é só uma maneira de extravasar o estresse de passar o dia inteiro dirigindo no trânsito caótico? Do tipo "Eu sofri agora você também sofre um pouquinho"?

Ou seria um instinto animal, fazendo xixi no asfalto e demarcando a parte maior, que pertence a ele? "Te vira pra se esgueirar neste trechinho que sobrou aí!"

Ou será que eles pensam "Vou dar um sustinho nesse mané pra ele parar de andar de bike e começar a pegar taxi!"?

Preciso de respostas.

Saia-justa de Natal

20 anos atrás.

Noite de Natal. Na ausência da chaminé, tocou a campainha mesmo. Era Papai-Noel.

"HoHoHo!"

A criançada toda feliz, histérica. O Papai-Noel, com aquele traje de pólo-norte bem apropriado para os 40 graus do Rio de Janeiro, suava cântaros. Sofria.

Minha irmã, perspicaz para uma criança de 5 anos, notou, perto da nuca suada do velhinho, aqueles fiozinhos de cabelos pretos e molhados vazando por baixo da peruca branca.

Só no dia seguinte veio tirar a história a limpo comigo, o irmão 3 anos mais velho (já super-experiente, ao contrário dos outros pirralhos inocentes).

"André, Por que o Papai-Noel tem aquele cabelo preto?"

Até que eu me saí muito bem da difícil e repentina situação:

"Bem, é que Papai-Noel já vive há muitos séculos entregando presentes por todo o mundo. E ele vai envelhecendo aos poucos! Em alguns anos, seu cabelo estará totalmente branco!"

Ela comprou a história.
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Epílogo: Alguns anos mais tarde, meu pai juntou a família na mesa de jantar. O assunto era meu irmão caçula, que ainda acreditava no Velhinho Bom. Ele, o irmãozinho, era o único ausente naquele momento.

"Família, temos que ter muito cuidado este ano com o Natal. Como vocês sabem, o pequeno ainda acredita que Papai-Noel existe, então temos que ser discretos..."

Minha irmã, aquela dos fiozinhos de cabelo preto, ficou abismada e traumatizada. Tinha acabado de descobrir, daquele modo abrupto, o maior dos segredos natalinos.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Oba!

Talvez você já tenha escutado essa história por outras fontes

mas juro que aconteceu num restaurante que conheço!
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Os pais e a criança se sentaram à mesa. A menina, aprendendo a ler, logo pegou o cardápio:

"Ai, pai. Que legal! Aqui eu posso tomar whisky, né?"

"Por que, filha?"

O pai olhou o menu:

'Whisky 8 anos.'

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Livro de Ouro


A época natalina traz o assunto à tona.

Todo ano olho o Livro de Ouro da portaria. Como evitar bisbilhotar se o seu vizinho do segundo andar deu menos grana, se o do nono andar presenteou os porteiros com aquele valor bonito!

Fiquei pensando nas reações que cada quantia poderia causar nos porteiros.

Cheguei a essa conclusão:
Morador não assina o livro de ouro - Talvez passe despercebido. Difícil a rapaziada da portaria se lembrar de todo mundo que não pagou.

R$ 10 - Era melhor ter sido mão-de-vaca total! Dar "10 real" é pior que não dar nada! Fica mal-falado pelos funcionários e pela vizinhança.
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R$ 50 - Tá na média do prédio. Passou a mensagem certa: "Sabe como é, tô duro, mas faço questão de contribuir!"

De R$100 a R$200 + Panetone que ganhou de brinde da empresa - Fortaleceu!! Os funcionários ficam felizes da vida! Vai até poder burlar aquelas regrinhas cansativas da síndica chata do prédio, como a proibição de deixar pacotes grandes na portaria ou a chave de casa para visitantes.

Agora, imaginemos a situação fictícia de uma doação de R$10 mil - Poderia despertar o lado mais mesquinho do ser-humano. Ciumeira, inveja, cobiça. Não duvidaria de o porteiro-chefe pedir demissão e fugir sozinho com a bolada! Ou, na hora de fazer o rachuncho, deixar aquele servente recém-chegado de fora.

O mesmo gesto, o mesmo Livro de Ouro. O mesmo espírito natalino. E quantias diferentes podem despertar reações tão extremas.

ATENÇÃO!

VOU DEIXAR ESTE POST AQUI DURANTE UM DIA. AS ATUALIZAÇÕES ESTÃO LOGO ABAIXO.

Amigos,

Todo blogueiro gosta muito de comentários dos leitores. Mas, às vezes, dá a impressão que é necessário ter PhD em Física para fazer isso. (Cheio de burocracia, várias opções pra clicar, que raios é Open ID??)

Não se sintam desestimulados! Basta escrever o comentário, e clicar na terceira opção NOME/URL.

Não se assustem. Ao contrário do que o nome diz, NÃO É PRECISO PREENCHER URL, nem outras siglas como CPF e RG.

Mas fiquem à vontade. Entrar e sair à francesa também vale.

Piada grotesca, mas disfarçada

Piada bem grosseira

Mas bem sutil

e nada explícita:

"Esta é a carta preferida de Ronaldo Fenômeno no baralho."

Não entendeu?

Diga em voz alta: que carta é essa?

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Equação felina







Tampinha de Matte

+

cabeça da gata

=

Chapéu marroquino

Foto-verso

Para caminhos longos, vou a pé

só com pés no chão se conhece a estrada.

Guardo as asas

para vôos sem destino.

Você já fez isso?

Você já parou alguém na rua, do nada, e disse:

"Oi, tudo bem? Meu nome é fulano. Sou brasileiro e tenho 20 anos. Meus hobbies preferidos são ir ao cinema, jogar bola e ficar no MSN. Torço pro Fogão. Sou heterossexual. Meu irmão uma vez me disse: "Você é muito importante pra mim. Somos parceiros há tanto tempo, conte comigo sempre!" Meu melhor amigo falou o seguinte: "Lembra daquela época do colégio? Bons tempos que não voltam mais". Adoro Big Mac, sou fã do Coringa do Batman e acho o Faustão um dos malas da televisão. Dá uma olhada aqui nas minhas fotos com a minha galera. Esta aqui foi em Cabo Frio, esta aqui foi em Guarapari. Ah, se você esquecer alguma dessas informações, pode me perguntar de novo, falou?"

E aí. Você já fez isso?
Já fez sim.

Foto-verso

Fossem curiosos,

os troianos teriam olhado por baixo da couraça do Cavalo.

Teriam descoberto a multidão

que aguardava o momento da emboscada.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Em defesa da própria mediocridade

Todo adulto é uma criança grande.

"Mãe, vê o desenho que eu fiz!"
"Tá lindo, filho!"

Todo mundo gosta de um elogio.
Receber crítica é uma merda.
Puxação-de-saco também não é bom pro ego não.

Digo isso porque eu sou um pseudo-fotógrafo, e ainda por cima, frustrado.
Às vezes, tiro umas fotos que curto muito, mas raras são as pessoas que dizem, de verdade, "Pô, tá muito legal".

As reações são mais assim:
"Ah, essa aqui era pra não sair tremido"
"Ih, tentou foto artística, né?"
.... (indiferença total, conforme passa para a foto seguinte).

Acho que o vínculo do criador com a criatura paira acima, bem acima, do senso comum de qualidade.

A verdade é que sou o tipo do cara que ofende os fotógrafos de verdade.

É a mesma sensação de quem já é fã de uma banda há muito tempo e, de uma hora pra outra, surgem milhares de pseudo-fãs instantâneos só porque o conjunto vem tocar no Brasil.

Eu, para os fotógrafos de verdade, sou esses fãs-de-última-hora.

Destruo o ritual e a liturgia de uma boa foto.

A de comprar um filme, desenrolá-lo com cuidado, não deixá-lo queimar quando se tira da câmera, misturar as quantidades certas de reagentes químicos para a revelação.

Não. Eu não sou "ativo", não há suor para tirar uma foto.

É algo totalmente passivo e, sendo assim, ainda mais irritante para os amantes da boa fotografia.
Desde que ganhei minha câmera digital, passeio com ela no bolso, trivial como um celular.

Não, não vou à loja comprar pilhas pra câmera.
Quando acaba a bateria, deixo-a recarregando na tomada enquanto durmo e ronco.

Se eu quiser, aponto a lente para uma bela cena do mesmo modo banal como tiro foto do meu joelho.

O total desrespeito à essa Arte na sua pré-concepção, no entanto, dá lugar a um profundo entusiasmo depois do botão apertado.

Quando dou meus cliques, pergunto aos mais chegados: "Pô, mas essa aqui não ficou legal não, hein? Ah, olha bem!"

Se me crucifiquei nas primeiras linhas, agora é hora da advocacia do diabo.

Por que não posso desfocar uma foto? Por que não posso deixar a lente aberta à esmo, sem o domínio da técnica, para buscar "(d)efeitos"?

"Ah, essa aqui borrou, né?" - dizem alguns.
Pombas, gênios como Monet já borraram muitos quadros, mudaram o conceito da Arte para que os medíocres pudessem aproveitar a onda!
Sou um desses que vêm surfando logo atrás!

"Ah, se esse cara aqui não tivesse aparecido na foto teria ficado muito melhor, né?"
-Não!! Esta foto só é esta foto porque tem esse mané aí plantado mesmo!

Sim, sou um preguiçoso das lentes. Um escracho para os flashes perfeitos.
Uma criança tosca, com um rabisco primário nas mãos, à espera de um aprovação sincera.
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Ps: Três craques da fotografia visitam, de vez em quando, este blog.

Um é profissional mesmo, o melhor que já vi.
O outro é um recém-médico, que provavelmente terá a mesma precisão nas mãos que já tem para capturar momentos sublimes.
E a outra só não faz isso da vida porque não quer. Tem o talento pra isso.

A vocês três, este post não é um provocação.
Pensando bem,
é sim.

Foto-verso

Troco, por um dia,

um par de asas por um ingresso

para ver como é o mundo lá de cima dessa roda-gigante.

Idéias cretinas


Desde que eu tirei essa foto

cismei que parece um rosto da Monalisa distorcido

saindo do alto, à esquerda, da minha cabeça.

Foto-verso


De que vale a pontualidade britânica

se não vou a lugar algum tão cedo?

domingo, 21 de dezembro de 2008

Via de mão-dupla

Voltando de Búzios, pegamos uma estrada de mão-dupla.

Daquelas que, quando você passa lado-a-lado a um carro na direção contrária, a sensação é a de cruzar com um foguete ou um trem-bala.

Certa vez, um professor meu teve uma sacada muito boa sobre esse assunto. Eu nunca mais esqueci.

"Vocês conseguem imaginar, daqui a 90 anos, nossos netinhos vendo nos livros essas auto-estradas em mão-dupla, perguntando: - Vovô, era assim mesmo? Desenhavam uma linha no chão dividindo as duas pistas e achavam que isso bastava para a segurança dos carros acelerando em direções opostas? Hahahahaha"
.
Realmente, pilotar nessas rodovias é um exercício de abstração da realidade muito grande!

Você não conhece o motorista que vem voando e chegando cada vez mais perto. Você não sabe se ele bebeu antes de dirigir, se é irresponsável, se está prestes a dormir no volante...
.
No entanto, você confia a sua vida a cada um deles, cada vez que cruza, passando raspando!

Imagina por quantos perfis de pessoas diferentes você passa, a 120 km/h, nessas estradas? Maluco, chapado, mauricinho, doidão, irritadinho...

Mas ignorar esta realidade óbvia é preciso. Do contrário, ninguém sai de casa pra viajar.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Fuckinator



Acho que todo mundo já conhece o Akinator.

O gênio da internet que adivinha o personagem, famoso ou não, em que você está pensando.

Está claro que a coisa funciona da seguinte maneira: Um banco de dados gigantesco (que cresce a cada dia) e um grande sistema de exclusão e afunilamento.
.
"É mulher?"/"Não", "Tem mais de 50 anos?"/"Não", "É presida dos States?"/"É",

- Barack Obama!

Como diversão, não há o que contestar.

O que me preocupa é pensar em quando isso tudo for direcionado para o... mal???!!!

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Hacker senta-se à escrivaninha e liga o computador. Logo, acessa o "Fuckinator".

Bem-vindo ao Fuckinator. O personagem que você procura tem mais de 40 anos?
Não

É homem?
Sim

É playboyzinho que ganha dinheiro na bolsa de valores?
Sim

Tem carro importado do ano?
Sim

Mora na Grande São Paulo?
Sim

Tem Orkut, gmail e usa outros produtos Google?
Sim

Como todos usuários da Google, já forneceu seus dados pessoais para a empresa?
Sim

É o Marco Aurélio Bastos Monteiro?
Ah... serve esse.

Retirar todo o dinheiro da conta corrente agora?
Sim

Obrigado por usar o Fuckinator. Estamos sempre aí para brincar de novo!

Agora sim... fui!


até sábado!

Mas comentem os posts aí!!!

O milagre da transformação


Se eu te contasse, você provavelmente diria que é mentira.
Mas quando sai no jornal, cruza a fronteira do impossível e vira verossímel.

Você seria capaz de fazer surgir, do nada, com um único gesto, 10 milhões de dólares? E, mais ainda, sem querer?

Nestes tempos em que o dinheiro some das bolsas e a liquidez do mundo encolhe, é possível fazer o caminho contrário. É possível inventar grana.

O caso do jornalista iraquiano que atirou seus sapatos no ainda presidente Bush virou capa de todos os jornais.

No meio do noticiário do O Globo, uma linha não teve o devido destaque, mas me chamou muito a atenção:

"Milionário Saudita oferece 10 milhões de dólares pelo par de sapatos".

O ato hostil do jornalista iraquiano lavou a alma de boa parte do mundo islâmico e o transformou em herói.

Mas 10 milhões de dólares pelos sapatos???

O exagero mostra algumas faces deste mundo contemporâneo:

Tem pouca gente com muito dinheiro na mão, e que não sabe o que fazer com ele.

As relações "coisa-valor" estão muito distorcidas.

Como pode a Petrobrás valer, na segunda-feira, X bilhões de reais e , na sexta-feira, 1/3 de X?

Como pode um site de internet criado no fundo de garagem passar a valer milhões da noite para o dia?

Como pode o gesto de atirar os sapatos fazer surgir, do nada, 10 milhões de dólares?
Isso me faz pensar numa contradição ainda mais cruel:

O jornalista, ironicamente, nunca poderia usar esse recurso em seu próprio benefício.

O homem capaz de fazer dinheiro não pode lucrar com isso (dificilmente o dinheiro da venda dos sapatos iria para ele).

Nestes tempos, estalam-se os dedos e se ganha muita grana. Os olhos piscam e se perde muita grana. Está tudo muito desequilibrado, fora de proporção.

É uma pena. O homem aprendeu a colocar uma etiqueta com preço em tudo. Coisas concretas, coisas abstratas e, agora, gestos.

Ao atribuir valor monetário a tudo, a humanidade não conhece o valor de nada.

Fora da órbita


Purezas que, de vez em quando, dão um pulo aqui no Blog:


estarei longe da internet até sábado!
Dia 19 eu pouso na Terra de novo.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Indiscrição


Como é olhar por baixo das saias da Torre Eiffel?

Respeito à música


Ficar preso no trânsito é chato pra burro.

Mas, às vezes, é o momento ideal para ajustar as contas com as prioridades esquecidas.

Muita gente que gosta de ouvir música perdeu o hábito de escutá-la em casa.

Segundo pesquisas de tecnologia, há 30 anos, o homem tinha cerca de 20 opções de lazer.

Hoje, Existem quase 100 atividades diferentes para se fazer no tempo livre (entre elas, videogame, internet, dvd, jogos online, chat...)

Ouvir música em casa, com a atenção e devoção que o ato merece, ficou misturado num baú com outras quinquilharias. Daquelas que só se encontra de vez em quando. Aí você lembra: "AH, é mesmo! Como eu gostava (gosto?) de fazer isso!"

Isso nos traz de volta ao carro parado, ensardinhado, preso entre tantos outros. Tarde chuvosa, fumaça saindo dos escapamentos. Acelera e pára, acelera um pouco e pára.

Que boa oportunidade para se escutar aquele CD maneiro quase de cabo a rabo.

Trânsito. Um grande prazer.
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Quando éramos pequenos, minha mãe parava o carro na garagem de casa.

Chegamos!

Rádio ligado, a música ainda estava na metade.

Desligar abruptamente seria um desrespeito à canção.

Em vez disso, minha mãe, sempre sensível às artes, ia abaixando o volume.

Como uma música que se acaba, lentamente, o som ia se esvaindo, até o silêncio total.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Olhos de máquina


Uma vida inteira até, finalmente, ver a Monalisa cara-a-cara.
-
A multidão se acotovela pelo quadro.

O guarda do Louvre faz escoar toda aquela gente.

15 segundos, apenas, para contemplá-la.

Que olhos usar?

Teus próprios?

Ou os olhos de máquina?

domingo, 14 de dezembro de 2008

Solo de uma nota só



Tim Reynolds é um alemão de 51 anos. Virtuoso em mais de um instrumento musical, mas com predileção pela guitarra e violão.

Reynolds é o Robin da dupla dinâmica com Dave Matthews. Participou de vários discos de estúdio do Dave, além de terem se apresentado juntos em vários shows acústicos. Apenas dois banquinhos e dois violões.

Dave faz a "base" e Reynolds faz os solos.
O solo, a meu ver, é o toque de personalidade. A mesma música será tocada 10 vezes em 10 shows diferentes, mas o solo pode ser completamente diferente a cada dia.

Dito isto, proponho a seguinte questão:

Durante a apresentação da música LIE IN OUR GRAVES, em 2007, no Radio City Music Hall, em Nova York, Tim Reynolds resolveu fazer um solo de quase dois minutos com apenas UMA NOTA!

Como as batidas de asas de um beija-flor, o músico tocou a nota RÉ, em média, 6 vezes por segundo durante cento e dez segundos.

No vídeo em destaque está a apresentação. Ouça você mesmo. Vai do minuto 3:10 até o 5:00.
É agradável de se ouvir? É, meramente, um ruído? O que leva um músico talentoso e cheio de recursos a fazer uma sequência musical com uma nota apenas?

Minha opinião é a seguinte:
A aceitação do tal "solo" depende muito do estado de espírito do ouvinte. Se você está ouvindo a música no carro, prestando atenção no trânsito, o barulho vai começar a incomodar, como um mosquito voando perto do ouvido.

Mas se você está "viajando" na música e na letra, acredito que o tal solo soará como um "descarrego emocional", um choro, uma pausa pra refletir e extravasar angústias contidas.

No meu filtro-auditivo, já peneirei essa música das duas maneiras. Dependendo de como eu esteja, o barulho é cansativo e inconveniente. Mudo logo de faixa. Outras vezes, se casa perfeitamente com o clima que estou vivendo naquele momento.

E para você? É só barulho? É só poesia musical?

De qualquer forma, ouça a canção inteira. Vale muito a pena.

By the way...

A música LIE IN OUR GRAVES termina com uma frase bem interessante.


Um tema meio batido, como tantos outros sobre os quais Dave Matthews versa.

Mas nunca piegas.



"Não acredito que deitaremos nas nossas sepulturas

Imaginando se passamos bem nossos dias de vida.

Não acredito que deitaremos nas nossas sepulturas

Sonhando coisas que poderiam ter sido,

deveriam ter sido, quem sabe?"

Memorizando números


- Alô, posso falar com o Gerson?
- Quem é?

- Ah, aqui é o André.

- Oi, André, tudo bem? Aqui é a mãe dele! É que o Gerson tá com outro telefone, esse aqui tá comigo agora

- (Oh, shit) Ah, tudo bem! Eu não sabia.

- Quer o número novo dele?

- Quero

- Oito dois oito meia..... três cinco quatro três.


((PAUSA NA HISTÓRIA: ESTE É UM MOMENTO CRUCIAL. ANDRÉ SÓ VAI CONSEGUIR RETER O NÚMERO, REPETIDO MENTALMENTE VÁRIAS VEZES, SE A CONVERSA TERMINAR AGORA, SEGUIDA DA DISCAGEM DO NÚMERO. MAS, OBVIAMENTE, NÃO É O QUE ACONTECE))


- Oito dois oito meia... três cinco quatro três (8286-3543, 8286-3543, 8286-3543...)

- Tá bom, dona Ingrid, beijão.

- Mas e aí, André. Como estão as coisas? Tem trabalhado muito?

- Ér. Bem, sim! Muito trabalho, sabe como é. Lá eles exploram muito, hehe. (Cacete, vou esquecer esse número!)

- Ai, que bom. Mas é melhor ter trabalho do que não ter né? E enquanto tiver com saúde, então. Isso é o que importa não é?

- É sim, dona Ingrid. Bem, vou ligar lá pro Gerson então. (Como era mesmo? 8286... 35... ?)

- Tá bom, meu filho. Bom falar com você. Venha mais aqui em casa, tá?

- Pode deixar, um beijão!

- Beijão, tch... Ah, e manda um beijo pra sua mãe também!

- Tá bem, beijo tchau!


(Saldo final: O número sumiu do HD cerebral. Um bom-papo bom-nível com dona Ingrid. E sem chance de ligar de novo pra pedir repeteco)


sábado, 13 de dezembro de 2008

gosto mau


Já tomou sua dose diária de mau-gosto hoje?


As manchetes do jornal MEIA-HORA, diário popularesco que circula no Rio de Janeiro, sobre a morte do super-notório Marcelo Silva (ex-da Susana Vieira), são uma aula de mau-gosto.


Não gosto de moralismo. Os títulos do jornal para o caso até que beiram o engraçado.


Mas é muita baixaria


A manchete no dia que ele morreu de overdose era a seguinte:


"Do pó vieste, pelo pó passaste, ao pó voltarás"



Já no dia seguinte, o título da capa do jornal era:

"Marcelo metia o nariz onde não devia desde os 13 anos de idade"



O fato de escrever para leitores com menos educação não pressupõe um texto em que falte educação.

Ao escrever dessa maneira grotesca para seu público, os editores do jornal deixam evidente a opinião que têm sobre seus leitores.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Ataque de bobeira


Ouvi na rua:


"Pô, parece que aquele sul-africano morreu de febre malucosa!"


Malucosa


Malucosa


Não é politicamente correto. É meio idiota.


Mas acho que soa tão engraçado.

Foto-verso

Se você fosse criança.

Torre Eiffel de um lado. Um carrossel do outro.

Pra que lado você correria?

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O poder do cão


Sempre tem aquele vizinho que entra no elevador e não dá boa noite.
Esbarra com você todo dia, passa direto, olhando pra frente.

Mas há um fenômeno capaz de forçar estes seres para fora de suas bolhas e quebrar esses rostos tão pouco acostumados a sorrir:

PASSEAR COM O CACHORRO.

Eu tive esse estalo outro dia, dirigindo.
Reparei num encontro de cães encoleirados na calçada.
O cachorro é sempre imprevisível. Basta um animal encontrar seu semelhante e os desdobramentos a Deus pertencem.

Imagine a cena: seu vizinho sizudo passeando com o cãozinho. Os dois cruzam com outra dupla gente/bicho, vindo na direção contrária.

Possíveis consequências:

UM CACHORRO RESOLVE ATACAR O OUTRO - o carrancudo é obrigado a tentar frear sua fera de qualquer maneira. Mudam as feições. A expressão mal-humorada dá lugar à assustada, ofegante. Um quase desespero, dependendo do tamanho do cachorro.

UM CHEIRA O OUTRO, AS COLEIRAS SE ENTRELAÇAM - constrangimento imediato para o dono cara-amarrada. É obrigado a falar amigavelmente com o outro dono, pedir desculpas (o que não é seu forte).

O CÃO FAZ COCÔ NA RUA - É necessário adotar uma postura social pouco honrosa: abaixar e catar escrementos para a platéia.
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O BICHO TREPA NA PERNA DO TRANSEUNTE - Azedou. O cara deixa cair por completo a máscara social. O pedestre, alvo da libido canina, ainda pode interpretar o ato não como um ímpeto animal, mas como culpa do dono! Não tem opção: tem que se fazer de simpático.

O cachorro muda, sim, a personalidade humana.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Máquina com humildade


Pagando contas no caixa-automático:


"Após este pagamento, você deseja fazer mais alguma operação?"


resposta: Não.


Faço o pagamento, leitura de código de barras no boleto, comprovante na mão.


Eis que a máquina pergunta de novo:


"Você quer fazer mais alguma operação?"


Caceta, eu já não tinha dito que não?????


Deveria ter uma opção assim:


"Máquina, você já me perguntou isso."


E ela respondesse:


"É verdade! Foi mal!"


Mas nunca vi um caixa eletrônico que se desculpasse.

Breve

Ouvi agora há pouco:

"Aí, o camarada disse que ia pedir o aviso breve!"

A frase pode até provocar risos. Mas minha opinião é que o termo "aviso breve" é mais certo do que "aviso prévio".

O aviso é feito de forma bem breve. - Chefia, tô rapando fora!

E a saída se consuma em, no máximo, um mês.

Fome vs Sono

O novo comercial do Prezunic no rádio propõe uma questão bem interessante:

Quando você está morrendo de sono, mas também com muita fome, o que você faz primeiro?
Dorme ou come?

É bem difícil responder. Eu me lembro de várias situações em que estava exausto mas também à beira da inanição.

Nessas ocasiões, me dá uma preguiça monstruosa de comer.

Comer pra valer, tipo sentar à mesa do restaurante, esperar o prato, mastigar todas as mastigadas possíveis. (Segundo minha conta, 40 mordidas x 25 garfadas = MIL MASTIGADAS)

Em geral, como só uma porcaria qualquer, sanduíche ou esfiha, e vou logo "chapar"!
Mas um resultado é sempre inevitável nesta equação sono e fome.
Um mau-humor dos infernos.

A sátira e a notícia


as letras miúdas:

You probably thought it was smart to buy a foreign import of superior quality, with better mileage and resale value. Maybe you even thought that years of market share loss would prod us into rethinking our process and redesigning our products with better quality in mind. But you forgot one thing: we spend a shitload of money on lobbyists. So now you´re out 25 billion dollars, plus the cost of your Subaru. Maybe next time you´ll by American car like a real man. Either way, we´re cool.


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a notícia:

Folha de São Paulo, 18/11/2008

GM, Ford e Chrysler pedem mais ajuda ao Congresso dos EUA

Os presidentes executivos da General Motors, Ford e Chrysler tentarão nesta terça-feira convencer os parlamentares americanos a duplicarem a ajuda concedida ao setor automobilístico, depois da liberação em setembro de uma verba de US$ 25 bilhões que ainda não foi distribuída.

Operando o câncer


Toda cirurgia de câncer é muito séria.

Se demora muito, é ainda mais difícil.

Não há mais um foco. Já terá se espalhado. Quase impossível salvar o organismo.

Contra todos os prognósticos, um tumor maligno foi retirado de um paciente de 110 anos. Um tumor que já estava instalado havia quase 30 anos.

O doente, cheio de virtudes, adquiriu o aspecto repugnante do seu câncer.

Por tantas vezes, pareceu asqueroso até para os mais queridos.

Por tantas vezes, deu vergonha até aos que mais o amavam.


Muitos já não sabiam mais separar. Onde começava o enfermo? Onde terminava o tumor?

Para os outros, doença e pessoa pareciam a mesma figura.

Criou antipatias e inimizades. A podridão das células cancerígenas tomou conta das atitudes. Influenciou a personalidade.


Mas em 2008, o velho centenário, de tão nobre origem, não aguentava mais.

Seria a cirurgia... ou a morte.

Desde junho, a doença não existe mais. Cortou-se o corpo, extirpou-se peito afora aquele mal.

Ele cambaleou, tropeçou, caiu.

O pós-operatório começa agora, na virada do ano, em 2009.

Radioterapia. Quimioterapia. Será um ano doloroso, um tratamento penoso.

Mas nós confiamos em ti, velho Vasco.

15 milhões de corações te esperam, novo em folha, em 2010.

Vivo, renascido, em meio a teus semelhantes.

O sentimento não pode parar.


Você não odeia?

Sabe que algumas inspirações só vêm uma vez, né?


E que, às vezes, só da primeira vez você está a fim de fazer algo que exija transpiração.




Com isso em mente, escrevo. ODEIO a seguinte situação:

Escrever um comentário longo e bacana sobre o post de alguém. Ou escrever uma boa frase quando se está participando de um concurso pela internet.

Aí, na hora de apertar "confirmar", o computador vai e te informa: "O CEP que você forneceu está errado. Verifique se está com hífen".
Ou então "Preencher corretamente o campo EMAIL".

Quando você volta para a página anterior, tudo o que você escreveu FOI SEQUESTRADO POR ALIENS!
Não está lá. Sumiu!
Eu, ignorante da informática, não sei outro método para reaver meus textos não-salvos a não ser apertar o UNDO (função obviamente indisponível naquele momento que você mais precisa).


Por que o texto sumiu?

Será que o japinha que projetou o site JAMAIS imaginou que ia dar uma raiva do BARALHO se o internauta voltasse para aquela página e não tivesse mais nada escrito?

Será que é impossível prever que pode haver algum dos itens preenchidos erradamente na hora de apertar "confirmar"?

Será que é tão difícil deixar o catso do texto lá parado, esperando por você?
E pode perceber. A segunda versão, dificilmente, é melhor que a primeira.

Foto jornalística

Concurso: A melhor foto jornalística ganhará prêmios.

Será avaliada por uma banca examinadora formada por repórteres, editores, redatores e cinegrafistas.

Eu queria entrar nesse concurso.

Mas decidi examinar primeiro a categoria em que estarei concorrendo.


Jornalismo é tudo aquilo que é exceção, chama a atenção e tem apelo público.

"Menino com dengue morre na fila de hospital" é manchete.
"243 meninos com dengue são tratados e curados por hospital" não é manchete.

No entanto, Jornalismo publica também o que está fora da lei, fora da moral e da ética social, mas que acontece diariamente na cidade.



A partir dessas duas definições, resolvi tirar uma foto de um menino, mais ou menos uns 12 anos de idade, sem camisa, bermuda suja, caixa de chicletes na mão, conversando com um motorista pelo vidro do carro.


E aí? O fato está, escancaradamente, no lado imoral e inaceitável das regras sociais.
Porém, de tão comum, deve ter sido muito fácil imaginar a cena descrita acima.


Você é o jurado. Qual é sua opinião? Minha foto pode concorrer na categoria "Fotojornalismo"?

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Tradução de filmes



O Brasil tem mania de fazer umas traduções exdrúxulas nos nomes dos filmes.


Outro dia, estava passando Sessão da Tarde e peguei bem aquela hora em que aparecem escritos o título, parte 4, etc., depois de cada comercial.


O filme em questão era "Meu primeiro amor 2".

Aquele sobre a garotinha que se apaixonou pelo Macauley Culkin no primeiro filme, e no segundo se apaixona por outro ator-mirim (que não ganhou a fama de Macauley).


Na mesma hora, pensei: Como assim, "Meu primeiro amor dois"???


Ou é primeiro amor ou é segundo amor!!


Mas Primeiro amor dois não faz o menor sentido!


Em inglês, o filme é My Girl.


Por que não traduziram para "Minha Menina"?
((Talvez para não serem forçados a fazer a trilha sonora com Maurício Manieri...))



ps: Meu aniversário é na mesma data de de Macauley Culkin! 26/08/1980

Quando era criança, por alguma razão, eu sempre lembrava disso, e comparava meu estágio de crescimento com o dele.


Se fazia 3 ou 4 anos que o último filme dele tinha saído, eu pensava: "Ah, então agora ele deve estar mais ou menos como eu, com bigodinho nascendo, voz desafinada. Talvez com espinhas..."